9. D I A S • S O M B R I O S

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O médico tinha razão

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O médico tinha razão. Vovó morreu três dias após sua visita.

As pessoas que possuíam recursos faziam ou compravam caixotes de madeira onde depositavam os mortos para serem enterrados com dignidade. Infelizmente não éramos esse tipo de gente. Éramos daqueles que embrulhavam os entes falecidos em lençóis velhos.

Enquanto banhava vovó e a vestia para o funeral, com a ajuda da Senhora Fadine, lamentei nossa pobreza. 

Sempre quis ter belas roupas, sapatos novos, um quarto de banho, perfumes...Mas vivia bem sem essas coisas, além disso, não conhecia quem as possuísse. A única certeza que eu tinha, naquele momento, é que trocaria qualquer luxo que já desejara por um mísero caixote de madeira.

Vovó nascera e crescera nas montanhas de Venfal. Casou-se jovem, provavelmente em um momento de desespero, e para piorar, com um Darquim. Vovô era um homem severo que contrabandeava utensílios e os vendia nos portos de Fronsac ou Mudrah. Se isso lhe trouxe alguma riqueza, ninguém de sua família a usufruiu.

Vovó sempre teve uma vida de trabalho duro e privações. Seus filhos entraram para o mundo do crime, seguindo o exemplo do pai, um a um, até que restara apenas o mais moço: Hans, que não era o mais carinhoso e bondoso dentre eles.

Nunca tinha sido uma mulher doce e sentimental, mas que motivos tinha para ser? Sempre a considerei fria e insensível, ainda assim, ela foi a pessoa mais próxima de uma mãe que eu conheceria.

E se eu pudesse ter um desejo concedido, apenas um, seria o caixote de madeira, para dar a ela alguma dignidade na morte, coisa que nunca teve em vida.

Chorei por ela, por sua vida desperdiçada e chorei por mim, cuja vida se encaminhava para um destino similar.

O enterro foi feito no topo de uma colina, onde os montanheses enterravam os seus. Uma daquelas lápides improvisadas, feitas com pedaços de madeira, era a da minha mãe.

Quando ela morreu ninguém sabia escrever para fazer uma homenagem ou, mais simples ainda, marcar seu nome. Seu túmulo se perdeu no meio de tantos outros, sem qualquer sinalização.

Os vizinhos das montanhas compareceram em peso ao funeral da vovó. Não porque amavam a velha Sra. Darquim, e sim por considerarem a presença, nessas ocasiões, como um gesto de respeito e solidariedade.

As únicas pessoas que choraram sua morte foi Teilon e eu. Um vizinho religioso proferiu algumas palavras bonitas, dizendo que vovó encontraria, enfim, descanso e paz.

O pai não esteve presente. Provavelmente não soube da morte da mãe. Me recriminei por isso. A dor da culpa fez com que eu decidisse não se passar por mamãe outra vez, especialmente por saber o quanto isso perturbava o pai.

Depois do enterro os dias se transformaram em pesadelos. Eu cuidava dos animais, da casa, da roupa, da comida e de Camomila. Acordava bem cedo, dormia muito tarde. Minhas mãos estavam permanentemente cobertas de bolhas e calos. Sempre me queixei das tarefas que tinha na cabana, mas só quando vovó morreu percebi o quanto ela me poupava.

Em Algum Lugar nas MontanhasOnde histórias criam vida. Descubra agora