Alguns dias se passaram. O sol brilhava como há muito não fazia, deixando a terra seca e firme, longe do barro ou da neve costumeiros. Até meu humor melhorava quando o tempo firmava assim.
Durante toda a manhã esfreguei roupas numa bacia no quintal. As galinhas e os porcos passeavam livremente.
Minha concentração se dividia entre a tarefa doméstica, recordar a imagem sublime do príncipe no cavalo branco, embora eu não soubesse se o rapaz era, de fato, um príncipe; e claro, repassar o olhar intenso e interessado do rei sobre mim.
Queria conversar com alguém sobre o ocorrido, mas quem acreditaria que o soberano de Maliffer tinha me encarado daquela forma? Ás vezes até eu mesma duvidava do que vi. Talvez ele estivesse olhando para alguma coisa além de mim. Era possível, também, que minha imaginação estivesse super estimulada pela carência de atenção.
Pensei muito sobre o acontecido durante a noite, antes de o sono chegar. Ele devia ter me confundido com alguém, sem dúvida. Eu não conseguia pensar em outra explicação. Minha semelhança com mamãe era um fato incontestável. Será que o Rei Lazz DiBalfour a conhecia? Seria o pai de Blenda? Seria ele meu avô? Não saber nada sobre ela podia fazer uma garota sonhadora ter delírios de grandeza.
Por estar ocupada com as roupas sujas e imersa em pensamentos, não percebi quando Fenris me abraçou por trás. Estranhei o gesto, pois meu irmão não era dado a arroubos afetivos. E aquele abraço era, definitivamente, algo diferente do carinho que irmãos deveriam compartilhar. Corei.
Vovó observava à cena. Ela remendava nossas meias, embaixo de uma árvore ali por perto. Foi seu semblante perplexo e assustado que me alertou.
Não era Fenris que me abraçava, era o pai.
Fiquei subitamente gelada, quase sem respirar. O coração batia descompassado. Eu não sabia o que fazer.
— Ah, Blenda... — sussurrou ele no meu ouvido, com hálito forte de bebida.
Sua mão subia e descia por meus braços, os friccionando com firmeza. Seu queixo repousava em meu ombro, com os lábios muito próximos do meu pescoço.
Pensei em jogar a água com sabão nele e sair correndo. Mas e se o homem me alcançasse depois de uma perseguição? O que faria comigo? As chances de escapar não eram boas, levando em consideração o comprimento das pernas do pai e das minhas. Tudo dependeria de quão bêbado ele estivesse.
Vovó rapidamente prestou ajuda. Graças aos deuses! A idosa correu até nós com o máximo de velocidade que seu reumatismo permitia. Com algum esforço, conseguiu desgrudar seu filho de mim. Ela amparou meu pai, que mal conseguia se sustentar nas pernas, até a cabana.
Desabei na grama, fraca, derrotada, constrangida e confusa.
Ao longo de toda a vida esperei um toque amoroso do pai, um sorriso de aprovação, uma carícia. Mas tudo o que senti com aquele abraço foi um medo terrível e aflição. Nossa convivência se tornava mais complicada e difícil a cada dia.
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Em Algum Lugar nas Montanhas
FantasiaA impressionante beleza de Loup Darquim não a impediu de viver privações, negligência e traumas. Cansada de sua vida miserável e dos constantes maus-tratos do pai (que a culpa pela morte da esposa), a garota sonha em fugir das isoladas montanhas de...