A réstia de luz, atravessando a renda da cortina, batia em meu rosto, na altura dos olhos. Isso me despertou. O corte no pescoço ardia como brasa e eu simplesmente sabia que se tentasse falar doeria ainda mais.
Levei a mão até o ferimento para descobrir que o tinham enfaixado.
A boca seca e amarga incomodava. Umedeci os lábios com a língua, tinha gosto de sal, terra e mato.
Ao me mexer, notei o colchão de palha embaixo de mim.
— Veja, Quiff, a mocinha acordou — a voz feliz de uma mulher soou baixa. — Ela é bonita.
Protegi os olhos com a mão, a luz inconveniente dificultava a visão. Tive que forçar a vista para ver uma senhora simpática, atenta a mim, ao lado de um Quiff com cara fechada.
— O-0nde eu estou? — Sussurrei tão baixo que pensei que não ouviriam. Falar realmente doía. Pigarreei e a dor se acentuou.
— Vou buscar água para ela — disse a mulher, deixando-me com Quiff.
— Lembra-se da luta na estrada com os contrabandistas? — Indagou ele, com uma ponta de impaciência no tom.
Confirmei com um sinal de positivo.
— Você se feriu. Depois de trocar algumas palavras com um dos ladrões, desmaiou. Te trouxemos para a casa de uma das antigas curandeiras de Gade. Fique tranquila, parece pior do que realmente é.
Quiff trouxe um banquinho de madeira, com o tampo redondo, para perto da cama e se sentou, de modo que pudesse olhar diretamente em meus olhos.
— Srta. Darquim, você teve algo a ver com o ataque na estrada?
— N-nã... — a dor me impediu de falar, então balancei a cabeça em negação. O ferimento deu uma fisgada com o movimento.
— Você conhecia aquele assaltante que falou com você antes de fugir?
Sinalizei que não com a mão, mas menti. Ele se referia ao andante.
— O rei mandou que te buscássemos porque você é uma bruxa? — continuou o oficial.
Quiff me irritou com esse interrogatório absurdo. Eu estava dolorida, ferida, apreensiva com essa convocação, preocupada com meus irmãos e cansada das desconfianças infundadas dele.
Dei um jeito de ficar meio sentada, meio deitada e o encarei nos olhos.
— F-foi você quem foi me buscar em casa, soldado — respirei fundo antes de prosseguir. — N-não pedi para estar aqui, e... nem queria estar. Pare de pôr a culpa em mim.
Deitei após o esforço, mas ainda não tinha acabado. Apontei para o meu ferimento e disse, tão baixo que Quiff teve que aproximar seu ouvido dos meus lábios.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Em Algum Lugar nas Montanhas
خيال (فانتازيا)A impressionante beleza de Loup Darquim não a impediu de viver privações, negligência e traumas. Cansada de sua vida miserável e dos constantes maus-tratos do pai (que a culpa pela morte da esposa), a garota sonha em fugir das isoladas montanhas de...