Capítulo 9 - O Corvo de Muitos Olhos

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Com o passar do tempo, até mesmo a mínima pedra parece uma montanha imensa. Até a sensação do ar contra o tecido da roupa parece uma lixa da mais áspera.

Os ferimentos, até os mínimos arranhões, ardem contra o vento frio e úmido do ambiente tão nevoado. A visão embaçada é seguida pelo som que vem de cima, a trilha que Mozi lidera com cautela é tortuosa, pouco sinal de civilização pode ser visto, em sua maioria, o chão com pouca grama e muito cascalho de pedrinhas arredondadas, porém, às vezes, a presença de pequenos templos de pedra no formato de um escudo losango invertido e profundo, onde pequenos ídolos sagrados dos quatro deuses elementais estão talhados em um só, uma composição harmoniosa de quatro figuras que parecem girar em ciranda, mas os elementos formadores desses ídolos são mistos. Madeira para a terra, vidro para os ventos, carvão para o fogo e conchas para a água, todos montados em harmonia e união, tendo que estar juntos para que o ídolo inteiro se mantenha de pé e firme.

É uma visão saudosista e confortante para Kalyn, pois as palavras escritas no fundo desse pequeno templo, talhadas na pedra de forma um pouco mais rústica, passagens sagradas de seus dias mais joviais.

"Os quatro reis do mundo, Norte, Sul, Leste e Oeste, sagrados reis do começo e fim do mundo, soberanos elementais, origens da vontade, caminhos da vida."

É o que a menina lê nos passos que demoram para passar pelos vigésimos altares. Todo o cansaço é acumulado, mas convertido na esperança de acharem algo melhor lá no alto dessa montanha.

Não é a maior das que já escalou, mas, com certeza é a pior, afinal, o sofrimento atual é o pior de todos, como disse alguém em sua memória. Mas, o que a preocupa nem é o que haverá no alto da montanha, é os dois que a acompanham, não pode arrastar mais uma dupla para o seu destino, talvez poderia...

— Kalyn, que coisa é essa de queimar sua magia? – Mozi pergunta olhando para trás.

Para Elerin que está focada nos pensamentos, volta a realidade.

— Ahm? – virando-se para trás, sente o vento por entre as orelhas, os fios dançando rumo aos seu olhar.

O menino, de olhos agora inteiramente avermelhados pelo esforço, encaram essa figura que, em contraste com a pouca luz do Sol que sobe por cima deles ganha uma silhueta de dourado e amarelo pálido como a sua pele. Parece tão vigorosa se comparada à minutos atrás, que sente um espanto invadir seu peito.

— V-você falo de... queimar sua magia. – tão tímido quanto impressionado, Mozi repete.

— Todo mundo tem veias. – ela explica depois de beber um pouco mais de água. – O que muitos não conseguem sentir são suas veias da alma. Seja o nome que digam pra você, chi, ki, tsuë, vok, mana, tudo são nomes para o poder que existe vindo da nossa alma, ou que você puxe do mundo... – ela engole seco, sentindo um pouco de dor ainda, por falar. – Ou uma mistura dessas duas fontes. Então, forçar a ligação das veias é uma atitude bem merda, se eu não corrigir, os danos vão ser como cicatrizes.

— E como? Como concerta? – o menino questiona reajustando a pegada na bolsa de galhos que tem de trazer.

— Vou descobrir também. – ela ri baixinho. – Só, tomara que não seja tão a noite quando eu chegar...

— Isso... – Mozi fica ao seu lado, olhando para a esquerda onde há apenas a queda para o desconhecido nublado e frio. – Isso tem a ver?

— Dia e noite não definem que entidade vai aparecer, só é a preferência de cada uma... e eu acho que, no meu estado atual, qualquer coisa vai ajudar.


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As Relíquias Imperiais - O Príncipe VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora