Capítulo 4

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Messi está arrogante. Isso é o que vem dizendo a imprensa, por conta de sua postura como capitão da seleção argentina. Ele tem feito declarações fortes e agido de maneira firme para preservar os direitos da equipe diante dos mandos e desmandos das equipes de arbitragem ao redor do mundo.

E, bem, depois do nosso telefonema, fica dificíl não pensar o mesmo se o assunto é arrogância. Mas acho que, no meu caso, estou envolvido demais para ser completamente justo ao dizer isso dele.

Não esperava sua reação tão raivosa em nossa conversa. É claro, não esperava rosas e vinho tinto, mas dizer que não se importa? Que é indiferente para ele se vou ou não para o time em que ele joga hoje? Ele sabe que esse tipo de decisão muda de forma radical a vida de uma pessoa. Mudaria a minha vida, a da minha família. E eu ainda não falei nada com minha esposa...

Minha cabeça virou uma confusão ainda maior depois do nosso telefonema. Achei que encontraria uma solução ao falar com Messi, no entanto terminei ainda mais angustiado. Nos dias que se seguram, fiquei tão perdido que fui chamado atenção no Grêmio. Eu estava sem foco algum e meu rendimento estava indo ladeira abaixo.

Tão aéreo que não me dei conta de como funciona o calendário. E esqueci da Data Fifa. Então, hoje cedo, sem nem que eu pudesse me planejar corretamente, me enfiaram dentro de um avião e aqui estou, em solo uruguaio, para jogar uma das eliminatórias para a Copa 2026.

Para jogar contra a Argentina.

Às vezes, me pergunto se sou muito burro mesmo ou apenas desatento. De qualquer forma, chegamos ao estádio pouco mais do que uma hora antes do início do jogo. Por óbvio, a organização e o meu técnico não permitem que eu vá até o vestiário onde estão os jogadores da Argentina. Eu só quero falar com o Messi, embora não saiba ao certo o que diria.

Nosso encontro acaba acontecendo apenas em campo, de maneira totalmente atrapalhada. Estou me aquecendo, a cabeça nas nuvens, e Messi surge por trás de mim, me abraçando. Sou pego desprevenido por seu toque e pela gentileza inesperada contida nele. Nem consigo dizer todas as coisas que pensei, apesar que não tinha mesmo nada formulado. "Me desculpe", Messi diz em meu ouvido, cobrindo a boca para que a imprensa não possa decifrar suas palavras, enquanto me envolve em seus braços, "Passei da conta naquela noite, me perdoe", ele completa, cheio de sorrisos, as mãos se demorando nas minhas costas e então no meu peito.

Fico sem ação. De fora, a cena parece ser apenas dois amigos de longa data se cumprimentando depois de muito tempo sem se ver. Por dentro, estou tremendo. É um breve momento, mas dura uma eternidade enquanto hesito, sem saber como responder. E antes que eu possa fazer algo, antes que eu possa dizer que aceito seu pedido de desculpas e, mais, que quero conversar com ele, que não quero brigar, que eu preciso falar com ele, Rodrigo de Paul surge como um louco entre nós dois, me enchendo de beijos no rosto e me agarrando.

Messi gargalha. Não vejo motivo para tanto riso, embora eu acabe rindo junto, pego no susto. Esse era um momento nosso, que De Paul atrapalha de graça, achando que está sendo muito divertido. E então, o momento se vai. Nos separamos, os três, cada um para o seu canto. Volto para perto dos meus colegas de time. Messi e De Paul seguem juntos, aquecendo com o restante do time da Argentina.

Assisto ao jogo do banco de reservas. O meu joelho, etc. É como assistir a um filme que eu não li a sinopse antes. Porque o que vejo ali, nunca antes tinha me passado pela cabeça. Durante todo o jogo, De Paul não sai da cola de Messi. Nem por um instante.

Nem. por. um. caralho. de. um. instante.

Vira piada entre os garotos no banco. De Paul, o cachorrinho do Messi. De Paul, o puxa saco do Messi. E conforme o clima no jogo esquenta, acaba reverberando entre os jogadores em campo também. Em determinado momento, acontece algum desentendimento entre os jogadores de ambos os times e De Paul toma a frente para defender Messi, para evitar que algum jogador uruguaio bata nele. Ugati, do meu time, tira sarro de De Paul, fazendo um gesto obceno bastante simples de entender e chamando De Paul de "mamador do Messi". O estádio vai ao delírio, aparentemente é uma piada conhecida por todos.

Menos por mim.

Estou fora de mim. O que está acontecendo aqui? De onde surgiu toda essa devoção de De Paul por Messi? Eu nunca tinha reparado antes, foi isso? Durante todo o jogo, eles conversam, trocam passes, se procuram em campo, riem juntos. Uma química inexplicável. Quando o juíz dá seu apito final, eu vou direto para o vestiário. Não quero mais falar com ninguém, estou consumido de ódio e ciúme.

Então, era por isso que Messi não fazia questão da minha ida ao Inter Miami. Ele está com alguém. Com De Paul. Ao contrário do que me disse ao telefone, mas por que ele diria a verdade para mim? Ele não me deve nada, já não temos nada.

Vou direto para a minha casa, ali mesmo em Montevidéu. Ao Grêmio, dou a desculpa de que vou aproveitar que estou em meu país para visitar minha família e ficar por mais uns dias antes de regressar ao Brasil. A verdade é que preciso de um tempo para respirar.

Naquela noite, viro a madrugada lendo sobre a repercussão do jogo na TV e nas redes sociais. Ganhamos de 2 a zero da Argentina, mas nem estou pensando nisso. Estou buscando tudo que falam sobre o gesto do Ugati em campo e o que pensam disso.

A maioria concorda. Em tom jocoso, todos dizem que é isso mesmo, que De Paul é um grande puxa saco de Messi. Que é um dos maiores apoiadores dele dentro da seleção argentina e faz tudo por ele. Segue seus passos, faz tudo o que ele manda, concorda com tudo o que ele diz.

Nas redes sociais, as meninas dizem que De Paul é lindo, gostoso, safado, perfeito, um rosto e um corpo que "nem guindaste" (essa parte não entendi).

O dia amanhece e ainda estou no celular buscando por fatos que comprovem as teorias que inventei na minha cabeça. Busco por notícias como quem sente uma dor muito específica, procura por ela no Google e todos os resultados dizem que se trata de um câncer terminal. Sinto meu coração disparar. Então, é isso?

Messi está com De Paul, é isso.

Por isso não se importa se eu vá para o Inter Miami. Essa constatação gira em looping na minha cabeça, e me dói tanto que é uma dor quase física. Como pode ele ter me esquecido assim, como pode ele estar com um imbecil desse, como pode ele não estar comigo? Essa simples ideia sacode meu corpo, tornando ainda mais forte a sensação de irrealidade dessa madrugada insone.

Como pode Messi não estar comigo? Ele deveria estar comigo.

Sou tirado dos meus devaneios pelo som do meu celular tocando. Nem tenho tempo de fantasiar sobre quem poderia estar me chamando a essa hora da manhã. O nome na tela me tira a surpresa, mas me faz ter uma ideia subitamente.

— Bom dia, flor do dia! Que jogo incrível ontem, hein?

— Bom dia, Beckham. Eu nem entrei em campo, deixe de bobagem.

— Sem falsa modéstia. Você faz a diferença mesmo no banco. Ter você no time é um privilégio para poucos.

— Hmm. Não acho que minha presença faça tanta diferença na vida de todos...

— Ei, que lugar escuro é esse? Quer que eu vá aí pessoalmente fechar as portas da coitadolândia?

— ...

— Enfim, Luís. Vamos mudar esse ânimo. Este é o meu telefonema diário onde mais uma vez pontuo uma a uma todas as vantagens que você teria ao aceitar a minha proposta para que venha para o Inter Miami. E aí, posso começar? Peguei até um café aqui, adoçado com mel que eu mesmo cultivei.

— Me diga uma coisa, Becks. É certeza que Messi continuará na próxima temporada?

— Na próxima? Ele deve ficar no mínimo até 2026, para emendar com a Copa jogando por aqui mesmo.

— Então, se eu for para o Miami, ele não deve sair, certo?

— E porque ele sairia? Está ganhando caminhões de dinheiro aqui. Como você mesmo também pode ganhar... E, além disso, ele te adora. Não sairia porque você chegou, tá maluco? Oi? Suárez, você tá rindo ou chorando? A ligação ficou um pouco abafada.

— Estou rindo.

— Parecia que estava gritando contra o travesseiro...

— Beckham, eu já me decidi. Não precisa me falar novamente de todas as vantagens de se jogar no Inter Miami e nem sobre todo o caminhão de dinheiro que vou ganhar assinando este contrato. Já tomei minha decisão.

— Tudo bem, eu... Desculpe. Não insisto mais.

— Eu aceito sua proposta. Eu vou para o Inter Miami.

Pra ter você | Livro 06 | Messi & SuárezOnde histórias criam vida. Descubra agora