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- Cacete ... - resmunguei enquanto tentava adequar meus olhos à claridade do sol.

Não lembro de parecer tão doloroso da última vez... nem me lembro há quanto tempo foi, aliás, quem faz questão guardar na memória a enorme sensação de merda do corpo depois de uma noite de depravação?!

Ri comigo mesma, atestando minha desidratação. Bufei. Posso não conseguir ficar bêbada mas isso não significa, necessariamente, que não vou sofrer com as dores depois que a adrenalina passar.

Pontadas de dor latente na lateral da minha cabeça ficaram me lembrando disso. Quando toquei, senti algo úmido entre os fios. Não quero nem imaginar a origem disso.

- Merda! - dessa vez praguejei. Em alto e bom som. Para mim mesma, para as ratazanas da cela e para os homens roncando em cima de mim.

Da cela?!

Me levantei em um pulo e cobri parte da visão com o pulso contra os raios de sol que invadiam o cubículo escuro e úmido de pedra em que eu estava detida.

Isso não era nada bom, nada bom mesmo.

Chutei as barras e, logo em seguida, um dos bêbados que me serviu de cobertor durante a noite, tudo para extravasar minha frustração.

É dia, atestei olhando para a minúscula janela no alto de uma das duas paredes. Estou perdida no maldito tempo, mas, a julgar pela cor do céu, o sol tortura quem estiver lhe enfrentando no início da tarde.

Bufei, passando as mãos pelo rosto e me forçando a acordar definitivamente. Não que isso fosse impossível, até porquê, a mais singela claridade consegue roubar meu sono não importa o quanto eu insista em voltar a dormir.

É minha sina diária.

As minas. Precisava estar nas minas.

- Se tivesse dormido um pouco mais eu teria recuperado o dinheiro que me tomou semana passada - cantarolou Sinamon, um Extremista local que marchava em frente à minha cela com as mãos atrás das costas, cada uma segurando um pouco de alimento. No rosto sarnento dele, um sorriso de satisfação quase não totalmente escondido pelo bigode curvo me obriga a despertar de uma vez.

- Se eu tivesse dormido um pouco mais, acordaria já com a forca no pescoço. - Cocei um dos olhos para me livrar das lágrimas indesejadas causadas pela irritação da luz e me aproximei das barras de novo, forçando meu sorriso mais angelical - A não ser que um grande amigo me desse uma mãozinha...

O magricela guarda molhou o pão no chá quente e mordeu, parecendo ponderar. Aquele gesto ainda me revirava as entranhas em repulsa. Entranhas essas que fizeram questão de me lembrar, de forma não muito delicada (com uma violenta pontada), que precisavam de alimento de verdade.

Mal lembro a última vez que ingeri algo sólido. Há dois dias? Mais?

Precisava estar nas minas...

- Posso dar bem mais que a mão. E quase fiz isso, se não fossem por esses aí com você. - Sinamon indicou com o queixo os dois homens dormindo no último canto escuro da cela, havia nojo e satisfação no semblante dele.

Minha expressão podia denunciar a abominação pelas últimas palavras do guarda sobre mim.

Magicamente a fome sumiu.

Engoli em seco e respirei fundo, ficando de costas para o traste de bigodes, tentando decidir se era a desidratação ou a marcha constante dele que estava começando a me deixar tonta.

- Como vim parar aqui? - sendo bem sincera, não lembro. E não posso colocar a culpa no álcool por motivos óbvios, então resta a opção veneno. Ele deve ter me encontrado escondida de alguém que, provavelmente, roubei e me dopou. Ou..., meu sangue gelou e a dor lancinante próximo a minha nuca despertou mais uma vez, deve ter me apagado para se aproveitar do meu corpo.

Entre DunasOnde histórias criam vida. Descubra agora