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Existem bastante desvantagens em morar na Crista, principalmente de dia, quando havia um sol para cada habitante. Mas, tenho que admitir, existiam algumas vantagens também.

Me convenci disso enquanto subia o morro até em casa, degrau por degrau, sem a pressa da noite passada.

Em geral, não temos contato uns com os outros porque todos são suspeitos quando existe pouca comida.

Nos juntamos algumas vezes em comemorações (obrigatórias) do Templo, acho que é um dos poucos momentos em que ninguém é visto como concorrência. Esse distanciamento é ótimo para mim em geral e, no momento, significa que não corro o risco de ser entregue aos Extremistas junto dos estrangeiros que abrigo, e nem prejudicar os inocentes que vivem nos arredores.

Estrangeiros, não.
Terroristas.
Não, o risco não estava do lado de fora.
Estava do lado de dentro.

- Mas o que é isso...?

Fechei a porta atrás de mim e estreitei os olhos dividindo a atenção entre os dois.

Povan estava sentado na minha cama, com a perna doente esticada sobre o colchão enquanto a outra apoiava o cesto de comida, que ele esvaziou.

Quando cheguei, Povan tinha acabado de jogar um pedaço de carne seca para Grillo pegar com a boca.

- Serr? - Povan perguntou, então negou e imediatamente se corrigiu - O quê?

- Como conseguiu isso? - Minha voz era baixa e uma mistura entre descrença e impaciência.

A verdade é que eu estava com medo da resposta e ,enquanto apontava para dois barris de água novinhos que Grillo juntava aos meus, eles trocaram olhares, como se combinando uma resposta.

Respirei profundamente, com tanta força que quase aspirei o véu do rosto.

- Alguém entrou na minha casa? - perguntei, largando a bolsa pesada no chão - Maldiç..

- Não entrou ninguém aqui. - Povan falou calmamente, deixando as mãos em frente ao corpo como se estivesse acalmando um animal.

- E vai explicar isso aqui como?! Magia?! - falei com desdém a última palavra, mas Povan deve não ter pegado pois sua expressão neutra me dizia que achava aquela resposta plenamente possível.

- Grillo quis repor a água que gastamos ontem, eu disse que isso seria problema seu, mas ele não quis parecer mal-agradecido. - Explicou, colocando um punhado de sementes na boca - Então pegou aquele manto que você iria jogar fora e-

- Incendiar - corrigi, apertando os ossinhos do nariz entre os dedos.

Deveria ter colocado fogo naquilo tudo ontem mesmo. Agora tem alguém rondando como um estrangeiro por aí. Merda.

- Qafnar. - Ele xingou depois de dois segundos de silêncio. Eu o perfurei com o olhar, o relembrando da ameaça de ontem. - Enfim. Trocou por água com uma dessas famílias que vivem aqui embaixo.

Olhei em direção a Grillo, que estava de cabeça baixa quase coberta pela cortina transparente da janela de pedra, como uma criança que aguardava seu castigo.

Fiz um discreto gesto de agradecimento com a cabeça em sua direção, ele me retribuiu.

Norrah me mataria se soubesse, mas gosto de me comunicar com Grillo, nos damos perfeitamente bem.

- Independente disso vocês não podem sair daqui... Ninguém pode ver nem as sombras de vocês. - comentei, tirando meu véu e o tecido do redor da cabeça - Temos muito mais que cordas em volta do pescoç..

Entre DunasOnde histórias criam vida. Descubra agora