Finalmente, depois de muito debate entre Grillo e Povan, convenci os dois de que precisava, com urgência, de comida.
Grillo, como sempre, muito solícito, me convidou para fora e ainda me ofereceu as costas ,caso eu não desse conta de caminhar, o que me fez pensar, por um minuto, o tipo de vergonha que devo ter passado enquanto ele me trazia desde lá das Matriarcas até aqui, a tenda que descobri pertencer a Najarah.
Povan, também como sempre, apresentou resistência "porque Najarah isso" ou "Najarah aquilo". Bastou eu comentar o quanto a coleira dele estava apertada para o querido mercenário concordar com seu parceiro e, obviamente, comigo.
De inicio eu só queria sair mesmo, aproveitar o tempo do lado de fora, sentir os pés afundando na areia porque não sei andar direito nessa superfície, e melhor, conhecer o rio. O corpo d'água que carregava a vida daquele vilarejo.
Para quem vive ao redor ou dentro do deserto, um rio, um lago, uma goteira que seja, são ambientes quase tão exóticos quanto as criaturas mágicas. Praticamente lendas. Então, obviamente, o rio, até o momento, era o que tinha me despertado mais interesse ali no vilarejo.
Depois da comida, é claro.Saí na primeira oportunidade, apressada na medida do possível para que eles não ficassem como minhas sombras por todo canto. Nessa volta não fui abordada na rua, acho que porque já era noite e os ramais (se é que pode chamar assim) estavam menos movimentadas. Eu mesma só vi algumas poucas dezenas de pessoas e rebanhos. Carneiros, ovelhas, alguns novilhos e um tipo estranho de galináceo de pescoço longo bicando um inseto aqui ou ali. O vilarejo era iluminado, em sua maioria, por enormes fogueiras no centro de cada bloco de tendas, numa distancia segura, obviamente. Quis seguir todo o leito do rio em ida e volta mas Povan segurou meu ombro e indicou outra direção, outro bloco de tendas bastante iluminado. Acho que vinha música de lá.
Música.
Grillo e Povan foram na frente, acenando para algumas pessoas pelo caminho. Reparei nas crianças carecas e de rosto colorido brincando. A noite. Ao redor da fogueira. O que era inacreditavelmente chocante para mim.
Acho que fiquei parada, de boca aberta, tentando absorver a informação por um bom minuto.
Será que me achariam estranha se pedisse para brincar também?
- Eudora! O que deu em você!? - Povan perguntou indignado, enquanto se dirigia até mim. Provavelmente só agora que notou minha ausência. -- Vem logo! Grillo deu uma cantada na Rkat e conseguiu um frango inteiro só pra gente.
- Então Grillo é o conquistador do bando? - Me apressei mais pela fofoca do que pelo comando de Povan, que na verdade, não comandava ninguém.
- Que pergunta imbecil. - Ele negou em desaprovação - É claro que ele é. Aqueles músculos atraem mulher como a luz atrai os insetos. Não faz muito tempo que andava flertando com um par de gêmeas. Ao mesmo tempo!
Ri da indignação de Povan, o que só o deixou mais revolto.
Foi como se nossa discussão em Fossa nunca tivesse existido.
Não sei o pode ter feito ele mudar de opinião em uma semana e alguns dias, mas, bem no fundo, não que eu vá confessar, fui muito grata.
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Entre Dunas
FantasíaEudora Fazad cresceu em Fossa, uma cidade ressecada pelo deserto Vhial, que a circunda. A opressão que seu povo sofre não a impede de aprontar de vez em quando,principalmente, se a barriga exigir o alimento que ela só consegue por meio do roubo e de...