cap 17

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Capítulo 17

Eu fiquei no inferno por dois dias. Jeon não deu notícias e não atendeu meus
telefonemas. Não comi, não dormi, não vivi. Perambulei pela casa, arrasado,
chorando, esperando. Fui chamado para me apresentar na empresa de
turismo, porém disse que estava doente e não fui. E estava mesmo doente, de
amor e desespero.
Não podia pensar em  Miná que me enchia de ódio. Como ela pudera
me pedir para intervir a seu favor, sabendo que era para tirá-lo de mim, que
era para continuar naquela relação doentia com o próprio filho? Cada vez eu
me convencia mais de que ela armou tudo para fazê-lo se enfurecer comigo,
como havia acontecido. Era um jeito de me tirar da jogada.
Na noite do segundo dia, fiquei na cama, cochilando, olhando para as paredes,
apavorado com medo que Jeon não voltasse mais. Lembrei-me do filme Em
algum lugar do passado e me senti como o personagem no final, morrendo de
saudade e de amor.
De madrugada, me recostei nos travesseiros, quase sentado, e deixei uma luz
suave acesa. Fiquei olhando para o nada, despenteado, sentindo-me fraco,
mais sozinho do que já me senti na vida. E foi assim que Jeon me encontrou,
quando entrou no quarto e parou na porta. Por um momento pensei que fosse
imaginação minha, fruto do meu desejo de vê-lo. Mas então nossos olhares se
encontraram e senti como se levasse uma sacudida. Só então voltei à vida, meu
coração bateu rápido, meu corpo se aqueceu.
Minha primeira reação foi a de levantar e correr para ele. Entretanto me
controlei a tempo, com medo de afastá-lo de novo. Assim, fiquei quietinho,
apenas olhando-o, enquanto ele terminava de fechar a porta e entrava devagar.
Eu me embebedei com sua presença. Apesar de continuar lindo e estar
elegante com calças escuras e camisa azul clara, ele parecia um pouco abatido.
Enchi-me de amor e ternura, e de vontade de abraçá-lo bem forte.
– Pensei que estivesse dormindo. – Sua voz saiu fria. Parou perto de uma mesa
de canto, largou suas chaves, celular e carteira. Não se dirigiu à cama, onde eu
continuava imóvel, acompanhando-o só com o olhar. Andou até a poltrona e se
sentou. Então seus olhos negros encontraram os meus.
Senti as lágrimas subindo, mas me controlei ao máximo.
Falei rouco:
– Não consegui dormir. Você está bem?
Jeon não respondeu. Ficou só me olhando.
Segurei o lençol com força, muito nervoso. Tinha medo que ele me informasse
que realmente havia acabado. Eu não aguentaria.
– Senti sua falta, Park .
Não acreditei em meus ouvidos. Então soltei o ar e senti as lágrimas descendo
livremente por meu rosto. Chutei com força o lençol para o lado e corri para
ele, me jogando em seu colo sem cuidado, abraçando-o com força, beijando
todo o rosto dele com desespero.
– Pensei que eu fosse morrer sem você, meu bem . – Sussurrei, passando as mãos
por seu cabelo, seu rosto, seus ombros, beijando em todo lugar que eu via,
agarrando-o. Jung me segurou firme e me beijou na boca. Nós fundimos
nossa língua em uma dança louca de saudade, desespero e reencontro. Depois
de um beijo longo, gostoso, nós nos abraçamos e me enrosquei em seu colo,
com a cabeça em seu ombro.
– Vou contar tudo, Park . Mesmo que deixe você chocado.
– Não vou ficar chocado. Nada do que disser vai diminuir o que sinto por você.
Ele suspirou, como se não acreditasse. Então começou a falar:
– Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Ataque cardíaco fulminante.
Minha mãe ficou arrasada, quase morreu com ele. Mas tinha a mim, a cópia de
seu amado e falecido marido. Eu era seu único filho, a única pessoa que ela
tinha no mundo. Acho que ali começou sua obsessão comigo.
Acariciei seu peito ternamente. A voz dele saía impessoal, como se apenas
narrasse um fato. Porém eu via a veia em seu pescoço latejando, demonstrando
sua agitação interior.
– Eu passei a ser o centro do seu mundo. Não saía sem mim, não me deixava
muito tempo longe de sua vista, me beijava e abraçava toda hora. Eu era
completamente louco por ela, por seu cheiro, sua pele, seu carinho. Quanto
mais eu crescia, mas nos tornávamos unidos. Eu não percebia que havia algo
errado em nosso relacionamento. Achava normal, mesmo quando ela me
acariciava ou beijava muito. Ou quando pedia que eu a tocasse, cada vez mais
intimamente. Eu adorava aqueles momentos. Só ficava longe dela quando ia
para o colégio de meninos. Mas quando voltava, as carícias continuavam. Eu
dormia em sua cama e ela dizia o tempo todo que eu era lindo e que era o seu
amor.
Jung se calou e respirou fundo.
– Nunca contei isso a ninguém, Park. 
– Por quê? Talvez alguém pudesse ter ajudado você, quem sabe um psicólogo.
– É uma coisa muito íntima. Acho que moldou o homem que me tornei. De
qualquer forma, quero contar tudo para você.
– Estou aqui. Vou ouvir o que quiser contar.
– Ela me ensinou a beijar na boca, a fazer sexo oral nela, a tocar em seus
lugares prediletos. Antes dos meus dez anos ela fazia sexo oral em mim. Hoje
se fala muito em pedofilia e pensamos logo em meninas sendo seduzidas e
estupradas por homens mais velhos. Até mesmo meninos violentados por
homens. Quase não se fala do estrago que uma mulher mais velha,
principalmente uma parenta, pode fazer com a cabeça de um garoto.
Meus olhos encheram-se de lágrimas novamente.
Eu odiei aquela mulher com todas as minhas forças.
– Era toda hora. Meu pênis ainda era pequeno e ela me mandava penetrá-la.
Fiquei viciado. Cresci fazendo de tudo com ela, tornando-me totalmente
dependente dela. Eu era seu único amante e ela dizia que era nosso segredo.
Então aquilo passou a me incomodar. Quando percebi que o nome que se dava
era incesto, que as religiões condenavam, que a sociedade excluía e que
nenhum dos meus outros amigos se relacionavam assim com suas mães,
comecei a ver com outros olhos. Quanto mais crescia, mais me convencia de
que era errado. E comecei a me afastar dela. Eu tentava, mas não resistia e
acabava sucumbindo. Vivia dividido entre o desejo e o amor que sentia por ela
e a repulsa de mim mesmo e do que fazíamos. Na adolescência tentei arranjar
namoradas, ela tinha ciúme, infernizava minha vida. E eu não conseguia
gostar de ninguém, voltava sempre para ela. Isso se tornou um círculo vicioso.
Passei a amá-la e odiá-la com a mesma intensidade. Ela implorava que
ficássemos juntos, que ninguém precisaria saber de nada.
Ele parou.
Eu continuei a acariciá-lo, arrasado pelo que ele contava. Aquela mulher só
podia ser louca. Como alguém abusava assim do filho? Como ela podia insistir,
sabendo como ele se sentia?
– Aos dezessete anos eu passei a lutar com mais afinco contra ela. Era um
inferno, uma tortura, mas consegui. Aos dezoito me tornei independente e
recebi a herança que meu pai deixou pra mim. Saí de casa, mudei de estado,
porém ela não se conformou.
Muitas coisas aconteceram. Ela ia atrás de mim, me seduzia, fazia ameaças,
tudo que você pode imaginar. No começo tive recaídas, mas aprendi a lidar com
ela. Tive muitas mulheres e homens eventualmente... Não me apaixonei por ninguém, pois era
apaixonado por minha mãe. Uma loucura! Uma doença!
– Não da sua parte. – Afastei a cabeça para olhar para ele. – Você foi vítima. Ela
devia ter cuidado de você. Era adulta. Eu vi o quanto é linda e como pode
convencer uma pessoa, Jeon . E começou a abusar de você quando era uma
criança!
– Sei de tudo isso. Tive muito tempo para analisar o que aconteceu. Mas nada
diminui a culpa que sinto pelas vezes em que, já adulto, eu não resisti a ela.
– Há quanto tempo vocês não têm nada íntimo?
– Mais de catorze anos.
Fiquei surpreso e feliz.
Era mais do que eu imaginava.
– Ela nunca aceitou. Tentou se matar duas vezes e da última quase conseguiu.
Tomou tantos medicamentos que ficou em coma e seus dois rins pararam de
funcionar.
Felizmente um deles ficou bom, contudo o outro parou de vez. Nada disso me
fez voltar para ela. Vou mentir se disser que não a amo, que não a desejo. Ela
se infiltrou demais dentro de mim. Mas continuo lutando.
– Meu Deus, Jeon . Peço perdão por ter falado com ela. Se ao menos eu
imaginasse. . .
– Você não teve culpa. Ela tentou usar você, como sempre faz com as pessoas.
E tentou me usar também, para que eu odiasse você. Sabe por que, Park ?
Balancei a cabeça negativamente.
Ele olhava fundo em meus olhos.
– Porque ela deve ter percebido que com você é diferente. Você foi a único  que conseguiu afastar minha mãe do meu pensamento. A cada dia que
passa você ocupa um lugar maior na minha vida e o dela diminui. Pensei que
fosse sufocar de tanto enlevo, tanto amor e tanta alegria. Tive medo de
acreditar. Tive esperança de que fosse realmente verdade.
– Quero que fique comigo, pois senti muito a sua falta. Porque quando penso
em alguém , é só em você. Não sei direito o que é isso. Eu me acostumei
tanto com a falta que sentia dela, que as outras pessoas  apenas passaram na
minha vida. Mas agora só consigo desejar você.
– Hoje me sinto o homem  mais feliz do mundo. – Falei emocionado, chorando
de novo, mas agora de uma alegria estonteante. – Pensei que fosse morrer,
como aquele homem do filme Em algum lugar do passado. Eu amo você. E vou
fazer de tudo pra te fazer feliz.
Nós nos beijamos na boca com amor. Só então ousei acreditar que o que
tínhamos poderia dar certo, que todos os problemas poderiam se resolver se
ficássemos juntos. Acho que tudo aquilo tinha nos exaurido tanto que pela
primeira vez dormimos juntos, abraçados, sem fazer amor.

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