Capítulo 1

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Valentina



Acho que somos moldados por cada experiência que vivemos, cada relacionamento leva um pedaço de nós, não é possível reaver esse pedaço, ele pode até voltar para nós, mas se transforma em outra coisa.

Estava no meio de uma tarde ensolarada, derretendo dentro do carro estacionado numa ruazinha pacata quando enfim tive coragem de girar a chave na ignição e dar a partida no carro novo.

Gostaria de estar errada, mas meu coração me dizia que não, aquela voz no fundo da minha alma também me dizia que não, eu não estava, aquela voz que sempre foi um sopro de razão na minha consciência, ela me dizia que algo estava errado, e estava me dizendo que o meu noivo estava me traindo.

E o fato dele sair no meio da tarde quando deveria estar no escritório apenas confirmava tudo.

As minhas pernas tremiam conforme eu afundava o pé na embreagem e mudava a marcha canhestramente aumentando a velocidade e chegando quase ao limite da via, não era a melhor das motoristas, era recém-habilitada, estava surpresa por alcançar o sedã preto e rezava internamente para que ele não percebesse que estava sendo seguido.

Belo passeio de inauguração, uma perseguição em uma tarde ensolarada de sexta-feira, parabéns Valentina você se superou ao atingir o fundo do poço, passou-se 20 minutos até que o carro deu seta, indicando que iria encostar na calçada, estacionei um pouco mais afastada e percebi que estávamos diante de um condomínio pequeno formado por alguns "flats", e ao virar a cabeça novamente para frente o meu coração veio parar na garganta.

Uma loira de pernas longas e vestido curto entrou no carro com uma elegância que eu jamais fui capaz de ter ao entrar na BMW de Marcos, o carro era baixo demais então ou eu afundava bruscamente, ou tentava me segurar em qualquer lugar para me sentar com um mínimo de dignidade.

Senti um pulso firme esmagar o meu coração quando através do vidro traseiro, vi duas cabeças se aproximarem, eles estavam se beijando.

O meu noivo estava beijando outra mulher dentro do carro, dois anos de relacionamento jogados no lixo, dois anos de sentimentos investidos, de cama compartilhada, de fodas meia-bocas, para no final ser traída uma semana após ser pedida em casamento.

Isso era sacanagem.

E das mais baixas.

Os pneus cantaram quando arranquei com o carro, não me importei com o cheiro de pneu queimado ou talvez fosse a embreagem, entrei novamente no fluxo constante da avenida tomando certa distância deles, mas a julgar pelo caminho que estavam fazendo, eu sabia muito bem para onde estavam indo, ele deu a seta para direita, indicando que ia entrar numa rua lateral, sinalizei que iria virar a direita, mal havia entrado na rua quando avistei a fachada imponente do hotel de luxo, ele fez o retorno para atravessar a avenida e acessar a outra mão, fiquei enjoada quando o vi entrar no hotel de luxo muito bem localizado na Cerqueira César, hotel esse que Marcos havia dito que estava fora do nosso orçamento, mas que era perfeitamente aceitável para ir com a sua amante.

Esperei pelas lágrimas, elas não vieram.

O sedã preto avançou e parou na entrada, um manobrista bem-vestido abriu a porta do carona e a loira desembarcou graciosamente arrancando rubores do manobrista, parei logo atrás e graças a pressa de Marcos em entrar ele não me viu desembarcar logo atrás dele, mal entendi as instruções do manobrista e apenas entreguei a chave a ele e peguei um ticket, entrei no saguão e aguardei apenas tempo suficiente para que Marcos fizesse o check-in.

Eu conhecia aquele hotel, já havia comparecido há muitas reuniões ali, merda, eu passava diariamente em frente aquele lugar, era meu trajeto para o trabalho, ou melhor, para o meu antigo trabalho.

Apenas meuOnde histórias criam vida. Descubra agora