Raíssa:
Quando se anda de ônibus você já tem uma noção básica do que é enfrentar uma guerra. E quando digo isso, não é exagero. Pegar cadeira é coisa séria. Depois de ser praticamente arrastada, consegui um lugar. É claro que eu poderia ir para escola de carro, se meus pais me deixassem ter um. Mas minha mãe diz que se eu quiser ter algo na vida, tenho que me esforçar para conseguir e que andar de ônibus de alguma forma me faria ser mais responsável, o que para mim não faz o menor sentido. Só que como não trabalho, tenho que me contentar em ir para a escola de ônibus todos os dias.
Cheguei em casa e olhei no correio para me certificar se não havia um bilhete ou algo do tipo de Thomaz, mas nada encontrado. Não que eu quisesse achar alguma coisa, talvez seja melhor assim mesmo. Destranquei a porta com um rangido. Joguei a mochila em um canto e corri para a cozinha. Já estava me dando dor de cabeça de tanta fome. Encontrei papai sentado na mesa de jantar, trabalhando em frente seu notebook.
- Mudança de turno? - perguntei, chamando sua atenção.
- Oi, filha. - ele levantou o olhar até mim. Suas olheiras entregavam seu cansaço. - Vou ficar com o turno da noite essa semana. - explicou.
- Entendi. - abri a geladeira, tirando ingredientes para montar um sanduíche.
- Como foi na escola? - ele perguntou, distraído, escrevendo em seu prontuário.
Pensei em contar sobre Diego, a briga com Gabi e como isso estava me deixando extremamente confusa. Mas tinha algo dentro de mim que não queria enchê-lo com todas essas preocupações bobas. Eu posso resolver sozinha.
- Foi bom. Tá tudo como sempre. - cortei o pão em dois.
- Mesmo? Nenhuma novidade?
- Não. - neguei.
Terminei de montar meu sanduíche com queijo, alface e tomate.
- E Gabriela como está? Nunca mais a vi por aqui.
Segurei o prato em minhas mãos, quase o derrubando.
- Ela...está muito ocupada esses dias. Você sabe, com a cafeteria. - inventei uma desculpa.
- Sei. Chame ela pra vim qualquer dia, adoro aquela garota. - sorriu franco.
- Pode deixar, pai. - bati de leve em seu ombro, ficando por trás de suas costas.
Olhei para todo o material organizado. Prontuários, receitas médicas, cirurgias marcadas. Todo o seu trabalho estava ali.
- Muitos pacientes? - supus.
- É...- suspirou - Muitos acidentes graves ultimamente. Perdemos muitos. - ele olhou para as próprias mãos com tristeza.
Medicina é a maior paixão de meu pai. Todos os dias ele levanta, cansado ou não, embaixo de chuva ou sol, trabalha horas a fio sem descansar, às vezes com menos de três horas de sono, e nunca reclama de nada. Porque nada pode pagar o sorriso no rosto de uma família que teve seu parente curado.
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Acredite Sempre
RomanceUm encontro inesperado + um par de olhos castanhos + um passado sombrio= um romance épico. Acreditar. É uma palavra com um significado tremendo. Eu acredito em muitas coisas. Acredito no melhor desse mundo , que dias ruins passam e que a humanidade...