Capítulo 03 - Surpresa

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Os androides do projeto Hominum conseguem simular perfeitamente a aparência humana. Uma tecnologia de fibras sintéticas consegue gerar tecidos diversos. A estrutura interna é tão leve quando os ossos humanos, assim como o simulacro na musculatura, onde a força e rigidez dos músculos são reproduzidos. Cada tipo de fibra consegue variar texturas e resistências para simular o corpo humano. O mais surpreendente é a pele. É possível ter autômatos com peles mais ásperas, mãos calejadas ou mesmo peles macias e delicadas. São perfeitamente iguais aos humanos, e por isso extremamente caros.

Modelos mais baratos tem a pele básica, com aparência metálica. Apenas a linha premium reproduz a aparência humana. Até mesmo nas genitálias. Para Aurora não fazia sentido ter reprodução de órgãos sexuais se não fossem capazes de ereções ou lubrificação, mas havia ouvido que alguém do marketing achou isso uma boa ideia para justificar alguns milhares de dólares a mais no produto. Aurora os projetou, programou sua forma de pensar e agir e para ela todos eles eram iguais a qualquer brinquedo que foi montado: inanimados.

Daí vem o estranhamento quando alguém tenta sexualizar suas criações. São objetos e não pessoas. Por mais que pareçam uma, não se comportam como tal, sendo programados para rejeitar qualquer comportamento malicioso. Pelo menos era sua crença até encontrar Ricardo. O androide desviava levemente da conduta programada e chegou ao ponto de olhar para Aurora se masturbando com a expressão de quem a desejasse. Os androides da SpiderWeb representam a aparência humana com perfeição, mas não suas expressões. Podem dar sorrisos tímidos ou pequenas expressões de simpatia, conforme seus códigos de conduta. Entretanto, não podem exprimir desejo, até porque são robôs e não podem desejar nada.

Aurora entendia que tal olhar malicioso, apesar de assustador, era fruto de um bug. Uma vez tendo sua memória carregada de pornografia, pode ter aprendido a reproduzir expressões dos atores. Não imaginava que um usuário, ou usuária, fosse tentar influenciá-lo dessa forma. Pelo visto, teria que atualizar o sistema com uma abordagem ousada: ela faria o mesmo, carregando o androide com o mesmo material malicioso, mas direcionando o sistema operacional para reconhecer aquilo como algo indevido. Seria um trabalho imenso, mas teria uma ajuda muito bem-vinda chegando.

A caixa que chegou em sua casa era enorme. Após desmontá-la, Aurora pode contemplar seu conteúdo: uma mulher. Loira com os cabelos levemente ondulados até os ombros, com olhos pretos e algumas sardas no rosto, a androide usava um macacão azul. Correndo em direção à oficina, Aurora voltou de lá com uma caixa e dentro dela um objeto metálico, esférico, do tamanho de uma maçã. Com toques sincronizados atrás das orelhas, o topo da cabeça dela se abriu, exibindo o espaço vazio, preenchido com o novo processador desenvolvido por Aurora. Levou uma hora fazendo transferência de arquivos até a atomata finalmente poder ser ativada. Um piscar de olhos e uma série de expressões faciais aleatórias se manifestaram naquele rosto sintético. Quando reconheceu Aurora em sua frente, abriu um tímido sorriso.

— Eva, agora você tem um corpo. — disse Aurora com um sorriso largo no rosto.

A androide olhou suas mãos e percorreu os olhos pelo próprio corpo. Antes sempre presa ao hardware da casa, Eva agora tinha mãos e pernas. Se colocou de pé, com alguma dificuldade para se equilibrar pela primeira vez. Olhou Aurora e esticou a mão para tocar seu rosto. Ao sentir o calor de um corpo humano, ela sorriu.

— Sim, Aurora. Agora tenho um corpo, como você.

O sorriso de Eva não era mais tímido. Era largo, expressando felicidade. Seu novo processador, carregado de memória, era potente o bastante para expressar emoções mais complexas. Não era apenas reproduzir sorriso, era a capacidade de entender o valor subjetivo de sentir o calor humano pela primeira vez e reagir a isso. Esse era o novo projeto de Aurora: autômatos capazes de compreender e reproduzir melhor os sentimentos humanos. Segundo os diretores, seria uma linha específica para trabalhar com pacientes com problemas graves de depressão e ansiedade. Alguém capaz de ler e interpretar os sentimentos do outros, mas sem se estressar ou se abater psicologicamente. O processador já estava pronto faz dias, mas nesse tempo ainda não decidiu como testar Eva. O problema de Ricardo, entretanto, pareceu uma oportunidade.

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