Shizun também não sabia que eu tenho irmãos

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O Não Mundo era uma floresta de árvores altas e galhos emaranhados, e Chu Wanning podia jurar que ouviu sussurros excitados assim que pôs seus pés ali. O céu era escuro, sem sol, lua ou estrela, mas havia uma estranha claridade no ar que o permitia enxergar o chão coberto de folhas abaixo e os galhos retorcidos acima.

É porque os mortos precisam achar o caminho, alguém sussurrou.

Eles sempre acham o caminho, retrucou alguém do outro lado.

Irmão, você achou o caminho.

Ele se virou, assustado, mas não havia ninguém, nem um animal.

- Shizun! Mo Ran! – Ele gritou, tentando decidir para que direção rumar.

O irmão está procurando alguém.

Só tem os mortos e perdidos aqui.

Nós estamos aqui.

Não estamos mortos, nós simplesmente somos.

Chu Wanning não podia estar alucinando. Ele estava ouvindo vozes vindas das árvores ao redor.

- Quem são vocês? Cadê Shizun e mestre Mo?

Irmão, somos irmãos.

Irmão não se lembra de nós, ele não era assim quando foi roubado.

- Não tenho tempo – Wanning se desesperou. – Preciso achar meus mestres, eles devem ter acabado de chegar! Preciso voltar com eles!

Ele se virava entre as árvores ao redor, tentando distinguir vozes ou encontrar um caminho na penumbra, mas estava de fato perdido. Seu coração batia como um tambor no peito, o fluxo de sangue causando eco em seus ouvidos.

O irmão procura alguém que ama?

Aqueles que se amam sempre estarão ligados.

Os predestinados se encontram em qualquer vida e qualquer mundo.

O fio vermelho do destino está em todo lugar.

Fio vermelho do destino? Como nas lendas, amarrado nos tornozelos e ligando os amantes através das vidas? Claro que Chu Wanning conhecia as histórias, embora sempre tivesse acreditado que eram contos para consolar corações partidos. Para seu espanto, as árvores continuaram seu sarau de sussurros:

Sim, o fio liga os destinos!

Os predestinados sempre se encontrarão!

Eles não serão felizes se não se encontrarem...

Era loucura, mas não havia caminhos a seguir. Chu Wanning sentou-se no chão e começou a tirar as botas, seu desespero apertando a garganta.

- Ainda que eu ache o fio – ele rebateu -, só poderia encontrar um deles. Estou procurando dois mestres! Não posso ser predestinado aos dois!

Irmãos, acho que ele está procurando aquele mestre.

Será?

Mas já o mandamos de volta.

- Vocês mandaram de volta? – Chu Wanning gritou, arrancando a meia do pé direito e encontrando apenas seu tornozelo branco. Ele se concentrou no esquerdo. – Quem? Para onde?

Recebemos um mestre, mas ele era de outro lugar.

Muito estranho.

Ele morreu lá e morreu de novo, então o mandamos de volta.

Muito, muito estranho.

Ele nunca deveria ter vindo para cá.

Ele tinha os olhos verdes, muito estranho.

- Shizun! – Wanning gritou, ficando desconcentrado de sua tarefa de despir os pés. – Para onde mandaram shizun?

O mestre voltou para o mundo dele.

Ele era muito estranho.

- Então shizun não está aqui? – Wanning sentiu o sangue sumir de seu rosto. – Eu preciso encontrá-lo!

O irmão não pode ir aonde ele está.

Ninguém pode ir aonde ele está.

Seria preciso cortar tempo e o espaço e a realidade.

E saber aonde ele está.

Lágrimas escorreram pelo rosto do rapaz, desesperança cresceu em seu peito. Como poderia voltar sem Shen Qingqiu? Ele não apenas prometeu a Luo Binghe que o levaria, ele prometeu a si mesmo. Mestre Shen era seu shizun, que o acolheu gentilmente quando seu pai de criação o expulsou de sua casa e de seu coração, levá-lo de volta para os Mundo dos Vivos era o mínimo que poderia fazer para pagar essa dívida.

Wanning sentiu-se fraco e inútil. Por mais que as pessoas insistissem em falar como ele era poderoso, ele não parecia fazer uma diferença real no mundo. Era sempre rejeitado ou abandonado em algum momento, e não conseguia usar seu suposto poder para salvar os que mais necessitavam. Ele não sabia ser gentil como shizun ou caloroso como Mo Ran, e sua carranca deixava todos desconfortáveis. Wanning tinha certeza que até mesmo o mestre Mo, que a princípio parecia apreciar o tempo que passavam juntos, estava eventualmente se cansando e percebendo como o jovem era uma causa perdida, um serzinho desagradável e nada digno de carinho, por isso a rejeição naquela noite na floresta de bambu.

Ah, irmão!

Irmão, olhe!

Chu Wanning piscou para afastar as lágrimas, tentando identificar o que tinha deixado as árvores em polvorosa. Ele girou a cabeça e olhou ao redor, mas tudo estava na mesma penumbra de antes, apenas os galhos se movimentavam para cima e para baixo com uma brisa fria. Então um ponto de cor saltou ao seus olhos, e Wanning viu seu tornozelo esquerdo escapando pela meia. Ali, também serpenteando para fora da meia, estava uma fina linha escarlate.

Wanning desnudou seu pé de vez, e estava mesmo lá: um fio amarrado em seu tornozelo, tão vermelho quanto sangue vivo.

O irmão achou!

É o fio vermelho do irmão!

Agora ele pode achar quem ele ama?

O irmão precisa seguir o fio.


*****

Esta autora tem algo a dizer:

Há várias versões da lenda do fio vermelho, ligando desde os dedos mínimos até os tornozelos. Achei especialmente interessante  esta última, que me pareceu mais fundamentada na cultura chinesa (leiga aqui, me corrijam se eu estiver errada, tanto que sei que em TGCF é no dedo médio). Mas, de qualquer forma, a imagem de um Wanning adolescente infeliz e descalço procurando Mo Ran foi um pouco apelativa. Me desculpem, me desculpem.

Sobre gatos brancos e seus cães demoníacos | 2ha x SVSSSOnde histórias criam vida. Descubra agora