Você não conheceu minha mãe

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Mo Ran teve uma vida... complicada. Fruto do amor proibido de sua mãe por um homem e do desejo proibido desse homem pela bela mulher que se tornou sua mãe, ele nasceu sem pai, sem casa e sem nome, mas não sem amor.

Ela o amou enquanto viveu, até a Grande Fome a levar. A imagem do cadáver inchado e pútrido de sua mãe era uma das memórias mais vívidas em sua mente e o assombrava em pesadelos recorrentes. E então o pequeno Ran-er ficou sozinho, roubando e vivendo nas ruas como um cachorro sem dono.

Ele se lembrava do nome de uma amiga de sua mãe e partiu à sua procura. Quando Ran-er viu, estava acolhido em um bordel, agora Mo Ran. Apesar de ter ganhado o sobrenome da dona e de ser uma criança, ele era tratado como um serviçal, ajudando nas cozinhas e com a limpeza. E então ele foi acusado de ter matado uma moça, preso e condenado.

Ele havia passado 14 anos tentando ser gentil como sua mãe ensinou, tentando ser educado e agradável mesmo enquanto apanhava e era alimentado com restos. Em troca, ele foi trancado numa sala com um outro cadáver, o cheiro de incenso infestando suas narinas, para que os oficiais o pegassem no local do crime, com o corpo da vítima e sujo de seu sangue. Ele foi abandonado e sentenciado à morte.

Quando Mo Ran fugiu, matou de verdade e colocou fogo no prostíbulo, ele achou que morreria também. Ele queria morrer.

Quantos cadáveres ele já havia visto em sua breve vida? Parecia justo que o próximo fosse o dele próprio. Em vez disso, ele foi levado a um homem que disse ser seu tio. Era impossível, Mo Ran sabia que seu pai era um homem rico, casado e pertencente à uma seita de antigo prestígio. Mas a dona do bordel tinha um filho também com 14 anos cujo pai havia desaparecido. Esse outro garoto tinha morrido pelas mãos de Mo Ran apenas alguns dias antes.

Mo Ran sentiu culpa invadir seus ossos, mas o sorriso do homem era tão caloroso e ele dizia palavras tão acolhedoras, que o garoto foi com ele. Pela primeira vez, Mo Ran foi bem recebido em um lugar.

Pela primeira vez, ele teve um quarto, roupas limpas que lhe serviam, comida à disposição. Ele ganhou um shizun e shixiongs que lhe ensinaram a ler, escrever e manejar uma espada. Ele virou o jovem mestre de uma seita também jovem, o sobrinho amado do líder Xue Zhengyong. Após um ano de treinamento, ele conseguiu formar seu núcleo espiritual, uma façanha de que ninguém tinha ouvido falar antes.

Ele ouvia que era um talento nato, que deveria ser de família pois seu pai foi um grande cultivador antes de morrer. Ele sorria e acenava a cabeça.

Mo Ran vestiu a pele do rapaz que ele matou, como um espantalho no milharal tentando espantar os corvos que eram seus pecados. Ele não confessou a Xue Zhengyong, dividido entre a culpa por ter tirado dele o verdadeiro sobrinho, a gratidão por ter sido acolhido e o medo de que descobrissem quem ele era, que sua mãe tinha uma linhagem demoníaca ancestral, a Beleza dos Ossos de Borboleta.

Os membros desse clã eram fracos no físico e no cultivo, sendo perseguidos tanto por humanos quanto por demônios e usados por ambos como fornalha para seus poderes. Mo Ran podia entender porque sua mãe havia se escondido na rua, em plena vista, e sido levada pela morte enquanto ele ficou. Mo Ran era forte de corpo e espírito. Ele era um milagre, uma mutação, uma anomalia poderosa. E ele também se escondeu em plena vista.

Ele era o discípulo prodígio do Pico Sisheng, depois o jovem Ancião conhecido por ter recebido sua arma espiritual aos 15 anos. Ele enterrou a herança de sua mãe fundo na mente e tentou esquecer, mas encontrou um pequeno discípulo que precisava dele.

E que shizun ruim Mo Ran foi!

Ele não era culto o suficiente para ensiná-lo, então discípulos de outros anciãos o ensinaram a ler, apreciar boa música e servir chá perfeitamente. Enquanto isso, Mo Ran se embebedava por dias seguidos e rolava pelos braços de homens e mulheres que ele não recordaria o rosto ou o nome. Quando ele se arrastava montanha acima depois de alguns dias deitado em camas estranhas, ele e seu discípulo trabalhavam juntos para descobrir o que havia selado dentro do rapaz.

Mo Ran sabia que Luo Binghe era diferente dele, e precisaram de tempo e pesquisa para descobrir que aquela energia encapsulada em seu interior era sua metade demônio celestial. Mas, apesar de essencialmente diferentes, de Binghe ser polido e cordial enquanto Mo Ran era jovial porém rústico, eles eram próximos. Eles eram como dois cães que abanariam o rabo para quem fizesse um carinho ou jogasse um osso. Como cães, eles já tinham morado na rua e apanhado dos ditos seres humanos.

Pensando depois, Mo Ran chegaria a conclusão que eles não eram tão diferentes assim. Ambos tinham talento exorbitante ("um gênio reconhece o outro", as pessoas diziam, "não é a toa que Luo Binghe foi o primeiro discípulo do Ancião Mo Weiyu"). Eles eram também leais até o último pelo.

Por isso, quando Mo Ran acordou de sua morte e viu Luo Binghe, ele ficou aliviado. Quando soube que Luo Binghe havia se tornado Junshang, imperador do Reino Demoníaco, Mo Ran não se surpreendeu. O rapaz tinha potencial para isso, certamente.

ELuo Binghe cuidou de seu shizun enquanto ele se recuperava, como um bomcãozinho faria. 

Sobre gatos brancos e seus cães demoníacos | 2ha x SVSSSOnde histórias criam vida. Descubra agora