Capítulo 86 - Porta voz de uma geração

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08 de abril de 1994

"O líder e vocalista da banda Nirvana , Kurt Daniel Cobain, foi encontrado morto em sua casa, localizada na Lake Washington Boulevard, 171, em Seattle. A perícia confirma que o músico havia morrido três dias antes, em 5 de abril.  O relatório do Departamento de Polícia de Seattle sobre o incidente declara que Cobain foi encontrado com uma espingarda ao lado do seu corpo, que ele tinha um ferimento visível na cabeça e que havia uma carta de suicídio descoberta próxima a ele."

- Meu Deus, Amanda! Está vendo isso amiga? Os noticiários não falam em outra coisa! Kurt Cobain tirou a própria vida! Que horror! - Liza está passando uns dias na casa da amiga, já que Ben está em turnê com a Soundgarden e Amanda está sozinha lidando com os primeiros meses de David, o bebê do casal. 

- Que absurdo! Um cara tão talentoso! Apesar que pelo que se ouvia nos bastidores não é tão surpresa que ele acabasse fazendo isso, viu? Ele era cheio de problemas que não conseguia lidar.

- Puxa vida! 27 anos! Eddie deve estar arrasado! Será que vão cancelar os shows do Pearl Jam em luto?

- Você não falou mais com Eddie?

- Ele me pediu que não fosse atrás dele, não foi? Vou fazer a vontade dele.

- E não te dá um aperto no coração, amiga? Você sabe como são as festinhas pós shows e ele saiu de Seattle muito chateado.

- E o que eu posso fazer, Amanda? Obrigá-lo a falar comigo??? Ficar correndo atrás dele? Eu não vou fazer isso e espero que ele me respeite porque se eu souber de qualquer coisa aí sim, não tem mais conversa. Ele disse que queria um tempo sozinho e no meu dicionário 'sozinho' significa sem ninguém. 

- Eu falei ontem com Stone, esqueci de te contar! Ele me disse que Eddie está bem chateado e só sai do quarto de hotel para os shows ou algo relativo.

- Foi ele que quis assim! Eu só estou respeitando isso! Depois do Ted, eu aprendi a não correr atrás de homem nenhum! Não que eu seja orgulhosa, mas Eddie está exagerando. Odeio quando ele troca os pés pelas mãos e não quer conversar fugindo desse jeito. Ele quis me castigar não me deixando viajar com ele e eu estou seguindo minha vida e cuidando da minha saúde. Quero ver se ele vai ficar mesmo mais de um mês sem falar comigo.


Eddie estava isolado em seu quarto de hotel bastante deprimido pela sua última discussão com Liza antes de embarcar em turnê. A confiança e o amor eram dois sentimentos que mexiam com  a mente de Eddie desde seu relacionamento com Dawn e o rapaz ainda não havia superado totalmente. No entanto, ele não deixava claro para sua esposa o real motivo pelo qual ele se chateava tão facilmente com as atitudes dela mesmo sabendo que ela não agia por mal.

Dias depois, os mesmos veículos de informação que noticiaram sobre Liza protagonizar o próximo filme de Crowe também confirmaram que ela não aceitara a proposta milionária para estrelar a nova produção e mesmo assim, Eddie não se manifestou em ligar para a esposa já estando três dias sem se comunicar com ela. Stone procurava aconselhá-lo, mas o rapaz parecia irredutível:

- Stone, eu tento! Eu juro que eu tento, mas eu não estou conseguindo. Confiança é muito importante pra mim! É maior do que eu. É acima de tudo e de todos! 

- Cara... a Liza não te traiu e todas as vezes que agiu por impulso ela não teve nenhuma intenção de magoar você. Por que não ressignifica isso?

- Eu não consigo! Eu não consigo! - chora copiosamente.


Algumas horas depois essa conversa, Eddie estava sozinho em seu quarto quando recebeu a notícia do suicídio de Kurt Cobain. O rapaz que já andava perturbado por problemas pessoais ficou ainda mais agitado com a notícia e praticamente colocou abaixo tudo que viu pela frente no quarto onde estava hospedado. Após um certo tempo sentou nos escombros, o que de alguma forma parecia certo. ..era o seu mundo no momento.

Estava abalado. Estava perdido e não sabia se deveria jogar, ou apenas ir para casa, ou se deveria comparecer aos serviços. No final, decidiu que tocaria nas próximas duas semanas e encerrariam a turnê.

Após alguns minutos, Stone conseguiu falar com o amigo:

- Fica em paz, Eddie! No fundo, todos nós sabíamos que ele faria isso de novo como tentou na Itália aquela vez que ficou em coma.

Eddie andava de um lado para o outro curvado jogando longe o que achava pela frente e passou a dizer palavras que ora tinham sentido e ora não tinham:

- Viu, pessoas que nem ele e eu, a gente não pode ser real. É uma contradição. A gente não pode ser essas pessoas que escrevem essas músicas reais. A gente tem que viver de acordo com as expectativas de um milhão de pessoas. E a gente não pode fazer isso. E aí tem uma porra duma mídia cínica no topo de tudo isso. Foda-se, fodam-se eles. O tempo todo, eles questionam a tua honestidade. Não importa o que você diga, não importa o que você faça, eles acham que é só um ângulo. Eles acham que é tudo uma porra dum jogo. Porque é tudo com que eles estão acostumados. É o que eles pensam que é, um jogo idiota. Eles não sabem o que é real e o que não é. E quando alguém vem tentando ser real, eles não sabem a porra da diferença.

- Calma, cara! Isso sempre foi assim! 

- Então, se você diz "Não, eu não vou jogar a merda do teu jogo, eu quero sair fora... eu não vou fazer isso, eu não vou fazer aquilo..., eles ainda pensam que você é parte dele. Eles simplesmente não podem aceitar que você não quer ser parte disso, que você nunca fez parte disso. Eles acham que é só um ângulo. Algum tipo de ângulo de merda. E isso faz tudo ficar tão difícil pra alguém que só está tentando ser honesto. Então, foda-se!!!! Caralho!

- Olha, Eddie, Kurt não foi o primeiro e nem o último a passar por isso, mas eu acho que está longe da imprensa ser o motivo pelo qual ele fez essa merda!

Eddie pára para respirar, e Stone pôde sentir seu cansaço e alguma coisa perto da histeria vindo dele em ondas. Começou a se questionar se ele já tinha falado tudo o que conseguia, quando de repente Vedder arranja mais fôlego:

- Quando o nosso primeiro disco saiu, eu estava chocado sobre quantas pessoas se espelharam em alguma coisa daquilo. Algo como "Alive", tantas pessoas que lidaram com a morte através daquela música. Como as pessoas que lidaram com a morte do amor através de "Black" e tantas pessoas que lidaram com o suicídio com "Jeremy". O tipo de cartas que chegaram até mim sobre essas músicas, algumas delas eram assustadoras.

- E daí?

- E daí? Sabe o que eles fazem com o que escrevemos nas nossas músicas? Porque a gente meio que escrevia essas canções para nós mesmos, na verdade. E de repente, todas essas outras pessoas se conectam com elas e você de repente é o porta-voz de uma porra duma geração. OLHA ISSO! -  ele grita.

- Porta-voz é realmente forte! - Stone concorda.

- OLHA AGORA O QUE ACONTECEU COM UM PORTA-VOZ DE UMA GERAÇÃO!!! SE MATOU COM UM TIRO NA CABEÇA, PORRA!!!! O QUE ESSES FILHOS DA PUTA ACHAM? QUE NÃO SOMOS HUMANOS? QUE NÃO TEMOS PROBLEMAS? QUE É TUDO UMA INVENÇÃO! EU SOU HUMANO, PORRA! EU AMO, EU ODEIO, EU FAÇO MERDA... EU SOFRO TAMBÉM! - ajoelhou-se próximo a cama e em seguida chorava em posição fetal. Stone deixou que o amigo desabafasse e liberasse o que sentia pra que talvez recobrasse as energias e seguisse em frente como haveria de ser.


- Ele realmente não reagiu bem, Liza! Tiveram que trocar ele de quarto, simplesmente destruiu tudo que viu pela frente.

- Stone, cuida dele para mim, por favor! 

- Por que não liga pra ele?

- Eu não sei se é uma boa ideia! Ele me pediu para não procurá-lo, lembra? E se deixo ele mais nervoso? Vocês tem show hoje em Fairfax, não é?


No show em Fairfax , Vedder em uma das oportunidades de falar ao público fez questão de citar Cobain:  "Acho que nenhum de nós estaria aqui hoje se não fosse por Kurt Cobain."

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