15 - Uma conversa quase normal

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Eu nunca imaginei que a primeira vez que eu ficaria sozinho com uma menina em casa seria tão constrangedor. Mas a Sra. Sgarbi mandou mostrar nossos quartos para Luara. E quando subimos a escada, Sofia disse que precisava ajeitar seu quarto antes de mostrá-lo, e me disse para mostrar o meu primeiro.

Não deu tempo de retrucar, porque ela só saiu andando sem esperar resposta.

Luara olhou para mim e ergueu uma sobrancelha. Só então me toquei de que estaríamos sozinhos. E agradeci aos céus mais uma vez por ser negro e não ficar vermelho.

— Her… hum… vamos ao meu quarto primeiro, então.

Luara suspirou e me seguiu para dentro do quarto. Ela olhou a cama enorme, a TV e os videogames. Caminhou para a escrivaninha e se sentou, suspirando novamente.

Fiquei ali, em pé, sem saber o que dizer. Eu nunca tive amigas. Normalmente as meninas reviravam os olhos quando eu tentava me aproximar. Com Sofia, bem, não éramos amigos. Éramos irmãos. E Luiza… era como Sofia para mim. Como uma irmã.

Por isso eu não sabia como agir.

Luara passou a mão no rosto. Olhou para cima e respirou fundo.

— Então — ela disse, como se estivesse engolindo uma cebola inteira —, seus pais parecem legais.

Foi minha vez de estranhar. Minhas sobrancelhas se juntaram, mas respondi sem gaguejar.

— Eu não definiria assim. Quero dizer, a Sra. Sgarbi é gente boa. Mas o marido dela… ele não gosta de mim.

Desviei os olhos, porque não queria ver a pena no olhar dela. Garoto negro, órfão, adotado recentemente e com problemas com os pais. Tão clichê que daria um livro.

Mas não foi pena que senti quando Luara respondeu.

— Adultos são um pé. Pais então, nunca estão presentes. E quando estão, só se aproximam porque querem alguma coisa.

Pisquei algumas vezes. Era a primeira vez que ouvia a voz dela. A voz dela era suave. E tinha um pouco de ressentimento nela.

Peguei um dos puffs e me sentei perto dela.

— Já aconteceu com você também.

Ela assentiu. Olhou para a floresta.

— Eu acho… acho que, não importa se são humanos, folclóricos ou monstros. Adultos só nos querem por perto quando é conveniente pra eles. A única exceção é o Zequinha.

Demorei um pouco para entender de quem ela falava.

— Você quer dizer o Carlinhos?

Ela riu, sem humor.

— Só os adultos o chamam assim. Para Zuiu, Dairene e eu, que o conhecemos desde que ele tinha treze anos, ele sempre será Zequinha.

Olhei pela janela. A vista para a floresta era linda. Me peguei pensando quanto teria que andar para chegar a Mbaracá. E se Carlinhos me consideraria o suficiente para que eu o chamasse de Zequinha.

Provavelmente não.

Como se lesse meus pensamentos, Luara rodou a cadeira e falou.

— Zequinha fez aquilo para proteger você.

Cocei a cabeça.

— Me pareceu que ele queria se livrar de mim.

— Você chegou em um momentos delicado — disse Luara. — Há certa tensão entre semideuses e folclóricos. Principalmente os que, como nós, estão vinculados a wargs como Zequinha.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora