6 - Um quase primeiro encontro

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Os Sgarbi só chegaram às onze e meia da noite. Eu já estava no quarto, e eles nem se preocuparam em conferir se já está a ou não dormindo. Achei uma atitude bem paternal.

Era a primeira vez em uns dois anos que eu tinha um quarto só para mim. Charme aquilo de quarto era um pouco ridículo. Caberia todos os garotos do orfanato ali.

Acho que eu poderia descrever meu quarto como um paraíso tecnológico. E com certeza, a Pereira passou a fita pros Sgarbis das coisas que eu gostava.

As paredes estavam decoradas com pôsteres de meus livros e filmes favoritos. Como a Pereira sabia quais eram, eu não fazia ideia. Eu sei que você pensou agora que, se ela invadiu meus sonhos, podia pegar informações da minha mente. Mas entenda que eu ainda não tinha aceitado aquilo. Ainda achava que tinha sido só mais um pesadelo dos amis esquisitos.

Prateleiras de livros se estendiam do chão ao teto, exibindo uma coleção impressionante de volumes. Tudo que eu sempre quis ler na biblioteca sobre mitologia e folclore. Livros de fantasia e ficção científica. Cara, era, tipo, uau.

Do lado oposto à cama, tinha dois videogames de última geração, um Playstation 5 e um Nintendo WII, com puffs e um sofá cama. Ao lado tinha um computador enorme com o desenho de uma maçã, outro gabinete de computador e quatro monitores. Em cima da cama tinham dois celulares, um com o logo da maçã e outro que dobrava no meio. Eu nunca tinha tido videogame, computador ou celular, mas podia me acostumar. Só não

E falando na cama...

Uma vez me falaram que a maior cama que existia chamava cama king-size. Essa, com certeza, era uma delas. Porque não podia existir cama maior que essa. Passei as mãos pelos lençóis. Me lembravam tecidos de um filme de ficção científica. Ao lado da cama tinha uma estante de jogos de tabuleiro (sim, eu amava jogos de tabuleiro, só tínhamos isso na Casa Transitória).

No teto haviam luzes LED que criavam qualquer ambiente desejado, segundo o Sr. Sgarbi. Só tinha que pedir para a Alexa. Ela ainda tocaria música, arrumaria o despertador e podia me dar recomendações de filmes e livros. Ele só não tinha me apresentado essa funcionária.

Por fim, tinha uma máquina de café (eca) que também fazia chocolate (aí sim). E uma geladeira recheada com guloseimas e bebidas gostosas. Tudo para manter a energia durante as longas sessões de estudo e leitura, me disse a Sra. Sgarbi.

Depois que Sofia e eu nos despedimos de Luiza e entramos, ela foi para o quarto dela. Disse que precisava terminar um ajuste no campo de força que estava criando para o Sr. Sgarbi. Quando perguntei o quê?, ela entendeu que eu queria saber o que era o ajuste. Da explicação que ela deu, só entendi que era mesmo um campo de força, que seria acionado por um smartwatch. Fiquei olhando para ela sem entender nada. Não sabia o que era um smartwatch, mas Sofia rolou os olhos quabdo eu disse isso. Ela só foi para o quarto, me dando boa noite.

Eram nove e quinze quando entrei no meu quarto. Eu joguei video-game até cansar. Ah não, não foi até cansar de jogar. Foi até cansar de perder. Aquele Kratos do God of War não fazia nada do que eu queria. Talvez o problema fossem os controles. Deviam estar com algum defeito. Acabei desistindo e indo para a cama.

Fiquei folheando as lendas de uma de minhas novas aquisições: O Livro de Ouro do Folclore Brasileiro. Achei todas as lendas sobre as quais conversamos: Iara, Mãe D'água, Saci, Curupira, Caipora, Capelobo, Cuca, e muitas outras que não começam com a letra C. E tinha mais coisa. Jaci Jaterê, Anhangá, Tau e Kenara, os deuses tupi-guarani... Era muita coisa. Meus amigos que gostavam de mitologia no orfanato riam de mim. Falavam da mitologia nórdica e da grega. Tinha uma menina que curtia mitologia japonesa por causa de animes. Falavam que o nosso folclore era pobre. Eu queria pegar esse livro e esfregar na cara deles.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora