16 - Um quase aprendiz de feiticeiro

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Os últimos dois dias foram o caos em casa. E um caos maior ainda minha cabeça. Pode ser que outra criança levasse as coisas de um jeito melhor, sabe. Conseguisse racionalizar tudo e entender seu papel em um mundo em que semideuses e bruxos coexistem com deuses e monstros.

Não foi o que aconteceu comigo. Nem de longe.

Nas duas noites eu não sonhei com Thainara (o que era o mesmo de ter pesadelos). Também não sonhei com o buraco escuro na árvore, de onde saia aquela voz maligna. E essa foi a única coisa boa que aconteceu.

O Sr. Sgarbi fez de contas que eu não existia. Igual os outros pais adotivos. Não fez diferença alguma, já estava acostumado. Quem me surpreendia sempre era a mamãe.

Eu sei, eu sei. Totalmente contra meus princípios de não me envolver. Mas... não sei explicar, eu só podia confiar nela. Eu sentia isso em cada abraço constrangedor que ela me dava. Nós cafunés que bagunçavam meus cabelos. Quando ela perguntava se eu estava bem. Quando levava leite quente com bolachas no meu quarto.

Tá certo. Falei antes que o sumiço tinha sido a única coisa boa naqueles dias. É que a bondade da mamãe me dava medo. Calma. Eu explico.

Cada ação boa dela comigo me fazia gostar mais dela. Eu não conseguia ignorar. Por isso eu sabia que, se chegasse a hora dela parar de gostar de mim, isso me quebraria. Droga, eu já estava falando se a hora chegasse, e não, quando a hora chegasse.

Sem falar no problema da iniciação mágica.

Mamãe colocou na cabeça que eu precisava aprender os conceitos básicos da magia. De preferência antes que as férias de fim de ano terminassem. Acho que ela não queria apresentar o filho bruxo adotado analfabeto de magia para os amigos.

Esse era o motivo de eu estar naquele momento ali, na quadra de tênis. Segurando minha varinha mágica. Que, segundo Luiza, era ideal pra mim.

A rede tinha sido retirada. De um lado estava eu, Miguel, com conhecimento mágico suficiente para fazer... nada. E do outro, ao lado da máquina que atirava bolas de tênis automaticamente, estava minha mãe, dona Regina, e Sofia. Mamãe estava ali para me treinar. Sofia, bem... estava "documentando" o método de estudo bruxo com uma Nikon D5200 (e eu só sabia o raio do nome da câmera porque ela ficou falando nisso o tempo todo).

Entenda a iniciativa de Sofia, como vou gravar meu irmão pagando mico.

Isso porque nada do que minha mãe tentava dava certo. Estávamos na quadra de tênis por isso, porque, em vez de fazer uma colher levitar na cozinha, coloquei fogo na cortina. E quando tentei ascender uma vela, a torneira da cozinha quebrou.

Acho que você entendeu.

- Você consegue querido - disse mamãe, sorrindo. - Basta dizer o feitiço.

Sorri de volta, um sorriso que, com certeza, estava bem amarelo. Minhas pernas tremiam. Do esforço e do cansaço. E de vergonha.

Magia tinha um preço, mamãe tinha explicado. Grande novidade. Tudo na vida tinha um preço. Aprendemos isso bem rápido nas ruas e na Casa Transitória. O problema era que o preço da magia era a vida.

Pelo que mamãe explicou, para se usar magia, era necessário usar energia vital. Sua ou de outras pessoas, de animais. Ou seres místicos. Algo que eu me recusava a fazer. Se bem que, ao aceitar a varinha que Luiza me deu, eu meio que fazia o oposto do que queria. A varinha era feita de pelos de caititu, segundo Luiza, o que conferia ao seu portador um maior contato com os animais e bestas folclóricas. Preferi não entrar em discussões com ela sobre isso.

Respirei fundo e apontei a varinha para frente.

- Scutum! - gritei o comando em latim. Saia estranho aninha boca, como se eu não devesse falar aquela palavra.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora