Eu sou exatamente o que eu gostaria de ser dez anos atrás, tenho a personalidade e aparência perfeita que formulei mentalmente como objetivo principal de qual personagem eu queria me tornar quando crescesse – mas não agora; agora eu cresci e esse personagem não me satisfaz.
Me olho no espelho e sinto um incômodo porque nada está errado mas também tudo está errado consecutivamente: eu queria mudar tudo, mas não mudaria nada.
Nada aqui me satisfaz, mas o que me satisfaria quando sou tão crítica com aquela que me olha de volta do outro lado espelho, com as sobrancelhas unidas e o olhar baixo porque eu não consigo enxergar mas sei que ela pode ver os fantasmas que me cercam e me abraçam e sussurram ao pé do meu ouvido porque sou fácil de ser convencida de que deveria ser diferente.
Estou tão certa de que não gosto do que criei, mas o que então eu deveria criar se nenhuma das outras versões já testadas e consideradas foi capaz de me agradar?
O ar queima e meus olhos ardem e por um momento desejo que pudesse apertar meu pescoço forte o bastante para o meu rosto ficar azul porque não tenho uma resposta.
Se meus ossos aparecessem contra a pele eu ainda teria essa necessidade urgente de me cortar aos pedaços com uma velha e torta faca de carne? Se eu lavasse meu cabelo em cloro até que sua cor sumisse e arrancasse fora uma parte do meu nariz eu ainda choraria diante do meu próprio reflexo desejando que estivesse banhada em gasolina da cabeça aos pés com um fósforo aceso pendendo entre meus dentes desalinhados?
Se meus pulmões não fossem escuros e frágeis e se meus lábios não fossem feridos e desidratados proferindo lamentos secos e repetitivos porque minhas cordas vocais são um disco arranhado pelo tempo, eu ainda precisaria amarrar minhas mãos para resistir ao impulso de costurar minha boca na tentativa de consertar um defeito visível apenas aos meus olhos cansados e insatisfeitos?
Se eu esfolasse minha pele com pedras afiadas e irregulares até que nenhum defeito fosse visível, o sangue na ponta dos meus dedos seria o suficiente para me parar?
Se eu perfurasse minhas veias com agulhas quebradiças e entupisse minha garganta com pílulas e comprimidos ásperos difíceis de engolir e mutilasse minha pele com bisturis enferrujados até que eu já não fosse mais quem costumava ser um dia, eu ainda me odiaria?
Ou eu me amaria se eu fosse perfeita?
Eu quero me amar ou eu preciso que alguém me ame?
Eu me reduziria a pedaços cortados e concentrações ridiculamente altas de silicone e formol para enfim me ver positivamente ou por que tudo o que preciso para me sentir viva é ser admirada por alguém de forma que eu jamais poderia fazer por mim mesma?
E de repente eu sei que eu não me amaria se eu fosse perfeita, eu não me amaria de forma alguma, eu ainda preferiria o limbo da inexistência a qualquer cor de cabelo, peso e altura porque a raiz da minha exaustão nunca esteve onde procurei ilusoriamente, preguiçosa ou cega demais para ver que o que não me satisfaz tem muito mais a ver com o meu peito dolorido e meu estômago agitado mergulhado em ácido.
Mas se outra pessoa com a visão menos precária e sem fantasmas no próprio ouvido um dia encontrasse algum motivo que fosse no meio dessa bagunça abstrata e sensorialmente cansativa que justificasse me amar assim como quem acha uma agulha num palheiro; ah, se me amassem…
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twilight flowers
RandomPequenas flores cultivadas por sentimentos confusos que insistem em desabrochar em madrugadas complicadas, regadas por ansiedades, alegrias, assuntos mal resolvidos ou o que quer seja, desde que baste para o nascimento das mais belas entre estas.