efeito borboleta

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Tenho um fósforo que já quase faz parte de mim, um membro extra pois nunca o solto, estou sempre revirando seu cabo fino por entre os dedos suados, sempre pronta para atear fogo em todas as coisas que me fazem tremer e esquecer de respirar porque são pesadas demais para serem ignoradas e difíceis demais para que eu saiba lidar com elas da forma correta.

Eu as reduziria a cinzas sem nem pensar duas vezes, e durante o processo me sentaria em meio as chamas e me deixaria ser consumida por todo o caos que eu mesma causei, abraçada pelas brasas e faíscas iluminando meu corpo feito partículas de um glitter dolorido e danoso – e ninguém viria para me salvar, ninguém me estenderia a mão ou pularia no fogo para me tirar de lá porque no fim o que todos veriam seria alguém choramingando e resmungando sozinha com o rosto úmido borrado de rímel derretido, a testa ferida por uma coroa de espinhos e os dedos das mãos tingidos em sangue pois eu mesma a confeccionei e posicionei sobre minha cabeça propositalmente, sem nem sinal de fumaça.

Porque tudo é muita coisa, a intensidade de cada coisa que deveria ser mínima me faz querer arrancar minha própria pele com as unhas roídas até que eu seja apenas sangue e ossos, mas se me perguntarem vão revirar os olhos e torcer os narizes pois saberei responder com propriedade que sei que jamais poderia atear fogo em toda essa bagunça porque ela não é real; é apenas uma ideia, um conceito, uma coisa interna que desaparece se eu fechar os olhos e pensar em qualquer coisa que não sejam as consequências de situações imaginárias.

Mas a minha cabeça é boa em mentir, e eu sou boa em acreditar.

Como eu poderia duvidar das minhas próprias palavras? Dos meus próprios valores? Isso seria perder a confiança na pessoa que lutei para ser, uma confiança que lutei para ter e continuo lutando para não precisar abrir mão de algo que pedi com tanto afinco visto que ter jamais poderia ser pior do que não saber o que é.

Por noites eu ajoelhei ao pé da cama e implorei aos céus para que ao fim do dia a minha palavra fosse mais alta e mais forte do que a daqueles que me apontavam os dedos mas nunca sem se oferecer para resolver as coisas no meu lugar, porque é fácil dar conselhos e imaginar probabilidades quando algo que já não é concreto é ainda mais inexistente para você, quando as consequências não vão aparecer nos seus piores sonhos porque essa borboleta nunca foi sua, esse bater de asas nunca foi predestinado a derrubar a sua cidade que mesmo que também não seja perfeita está muito longe da voracidade do meu próprio furacão.

E eu tento agarrar essa borboleta enquanto gritam atrás de mim que não é a coisa certa a se fazer, que tudo é o que é, e é apenas a vida acontecendo, mas a vida acontecendo é desastre, é tragédia, e é cansativo viver pensando em queimar coisas que ao menos existem, porque não estão aqui fora mas esse fogo já arde aqui dentro – então quando a pego esmago suas asas coloridas por entre meus dedos, me esforço para reduzir suas antenas e patinhas inquietas a pó, descontando toda a dor aguda e contínua da maldita coroa que ainda se agarra aos fios oleosos do meu cabelo e me arranha a pele com insistência para que eu nunca me esqueça do que fiz.

E quando abro minha mão vejo minha palma encardida pelas cinzas, pelos restos de uma borboleta imaginária consumida por um incêndio imaginário porque realmente nada nunca é tão intenso quanto parece.

A não ser por dentro, e esse aperto no coração me lembra de que nem tudo é tão imaginário quanto eu gostaria – e as pessoas de fora podem continuar revirando seus olhos vazios e retorcendo seus narizes porque ainda são incapazes de ver, sempre serão, mas eu sinto, e nesse buraco fundo cavado bem no centro do meu peito, com sangue seco e carvão aceso misturados, tudo é muito mais concreto e menos conceitual do que um dia eu desejei que fosse.

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