Prólogo

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In order to rise from its own ashes, a phoenix first must burn. 

– Octavia Butler

A fênix é uma criatura da mitologia grega que morre meio às chamas e depois ressurge das próprias cinzas.

Essa lenda já foi contada muitas vezes; desmembrada, adaptada e ressignificada entre os mais diferentes povos. É a promessa de esperança mesmo depois de um fim, a ideia de que renascer sempre é possível, a síntese de tudo que uma pessoa pode superar para se manter viva. Para a fênix, nenhum fogo é permanente. Tudo é uma constante oportunidade de se reinventar e provar que pode ser forte, crescer através da própria dor.

É por essa razão que a fênix se mantém tão popular nos dias de hoje. Seu arquétipo é atemporal, capaz de gerar múltiplos reflexos, adaptar-se ao formato do coração de todos aqueles para quem se apresenta. Como uma profecia autorrealizável, essa lenda também morre e renasce em si mesma, sobrevivendo através das histórias pelas quais é contada.

Essa é uma delas.

E é claro que começa com fogo.

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Ela ainda não estava morta.

O ar era seco e rarefeito. À distância, um som crepitante se fazia ouvir, estalando e zunindo. As labaredas de fogo eram infindáveis e pareciam brilhar mais que o próprio sol, dando voltas em torno de si mesmas, conquistando mais espaço a cada segundo. A fumaça - uma cortina imensa, negra e opaca como o véu de uma viúva - era tanta que era impossível distingui-la do céu escuro que se estendia acima.

A primeira coisa que ela percebeu ao acordar foi o som da própria respiração. Pesada e inconsistente, denunciava que a fuligem tinha tomado sua garganta com a mesma voracidade com que derrubara a cidade reduzida a cinzas. Tentou tossir, mas não conseguiu, paralisada como se presa sob o peso de um mundo inteiro. Mal conseguia respirar, e o gosto amargo da poeira lhe tomava os lábios junto ao sabor inconfundível de sangue.

Demorou certo tempo até que conseguisse abrir os olhos, ardendo violentamente com o atrito das pálpebras. Uma paisagem irreconhecível estendia-se diante de seu corpo como uma imagem saída de um pesadelo, chamas avançando como bestas famintas meio a um mar de destroços empilhados um sobre o outro, cheiro de enxofre e cabelo queimado pairando no ar vicioso. Era insuportável, quase enlouquecedor.

Pouco a pouco, foi tentando testar os limites do próprio corpo, avaliar se estava mesmo tão presa quanto se sentia. Primeiro as pernas, depois os braços, finalmente as mãos. Nenhuma tentativa surtiu qualquer efeito, senão apenas para fazê-la perceber que segurava em uma das mãos alguma forma indefinida que piscava em vermelho de tempos em tempos, como uma pequena bolha de luz. Não conseguiu se lembrar para que aquilo servia ou mesmo por qual razão o segurava. De alguma forma, tinha se esquecido de tudo, envenenada pela fumaça e pelo calor inacreditável.

Ela estava começando a recuperar uma memória antiga quando um ganido de dor atravessou seu corpo com o impacto de um raio, violento e irrefreável. Sentiu como se mãos em chamas estivessem agarrando-a, tentando puxá-la para baixo como se vindas diretamente do Inferno. Desesperada, conseguiu mover-se apenas o suficiente para notar a textura do chão sob si, a cor inconfundível que se revelava pela luminosidade vaporosa, e foi quando finalmente percebeu onde estava.

Foi quando finalmente conseguiu se lembrar.

Um berro desolado embolou-se em sua garganta, sem encontrar meios por onde sair. Em sua cabeça dominada pelo medo, começou a repetir uma única oração, como um mantra fadado ao fracasso:

Pretty Dress - Uma história Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora