Capítulo 1 - Winds of Change

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I sat with my anger long enough until she told me her real name was grief.

- C. S. Lewis


- Aquela bomba era das suas?

A voz de Katniss é gelada, amortecida, quase morta.

- Eu não sei - ele responde, honesto e destruído. - E Beetee também não sabe. Faz alguma diferença?

Não faz. Ele sabe que não faz. Quer desesperadamente que ela negue, precisa que ela negue, mas sabe que é impossível. Já se sentenciou mesmo que ela mesma ainda não o tenha feito. Quando volta a falar, parece ter morrido também.

- Você nunca vai deixar de pensar nisso. A minha única responsabilidade era cuidar da sua família.

O silêncio que vem depois é denso e parece ressonar em ecos por uma imensidão sem fim.

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Gale Hawthorne acordou com a cabeça latejando e o coração doendo.

No espaço entre um segundo e outro, ele ergueu-se sobre os cotovelos e dirigiu o olhar atônito para o ambiente ao redor, o peito arfando copiosamente em busca de ar. Seus ouvidos zuniam e ardiam como o Inferno, pulsando sob o ritmo enlouquecedor das batidas do próprio coração.

Ainda não tinha se acostumado a alguns pesadelos. Mesmo cinco anos depois, os sonhos ruins continuavam vindo, implacáveis , berrando aquilo que nunca adormecia em sua consciência e tornando impossível qualquer efeito da parte dos calmantes que se forçava a tomar de madrugada. No fim das contas, sabia que não havia remédio porque não havia o que ser corrigido; como todas as piores coisas, não eram somente pesadelos.

Eram memórias.

Mesmo assim, o conforto nunca vinha quando acordava. Na verdade, o momento em que abria os olhos era quando as coisas realmente ficavam ruins. Já fazia muito tempo desde que acordar e seguir com o dia tinha se tornado mais uma obrigação do que uma vontade real. Um impulso, no melhor dos casos, ou um instinto, como diziam os médicos. Havia noites em que se deitava, encarava o vazio do teto e desejava não acordar no dia seguinte, mas tinha aprendido a empurrar aquela angústia para algum canto esquecido da memória e não costumava olhar para lá com frequência. Era o que vinha mantendo-o de pé desde então.

Baqueado pela sensação dolorida no peito, esforçou-se para esvaziar a cabeça tentando manter o foco no ambiente ao redor. Tinha aprendido a duras penas que o melhor a se fazer naqueles momentos era simplesmente tentar manter a atenção em coisas palpáveis que pudessem fazê-lo lembrar que estava em casa, longe do alcance de tudo que o assombrava.

Acostumando-se à luminosidade que se esgarçava entre as frestas da cortina, seus olhos semicerrados esquadrinharam todo o perímetro do quadro. Partículas de poeira suspensa se faziam ver através dos feixes de luz amarelada que se debruçavam sobre seu corpo, fazendo a sonolência se desfazer gradativamente na anunciação de um novo dia. A pouca distância dali, sobre a mesa de cabeceira e ao lado de um velho porta-retrato com a fotografia de seu pai, os ponteiros no relógio marcavam cinco horas e quarenta e três minutos.

Agora um pouco mais desperto, Gale afastou os olhos do visor arranhado e encarou o teto por alguns minutos, observando a dança das luzes que irradiavam pela janela e desenhavam linhas sinuosas acima de sua cabeça. O silêncio ali era quase físico, como se fosse possível agarrá-lo com os dedos, e parecia anunciar uma solidão mais antiga do que o próprio tempo.

Afastando o lençol acinzentado de cima do corpo, levantou-se de súbito e soltou um xingamento baixinho com a tontura que veio em seguida. Foi até à porta do banheiro, empurrou a maçaneta em um solavanco e então abriu a torneira sobre a pia, levando as mãos cheias de água gelada até o rosto quente e repetindo o movimento até perceber os batimentos cardíacos desacelerando.

Pretty Dress - Uma história Jogos VorazesOnde histórias criam vida. Descubra agora