vii. Não somos daqui

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a solidão dos abandonados

e l e a n o r     r i g b y

Matemática é a matéria que preenche as duas primeiras horas da sua manhã de sexta-feira, o primeiro dia da volta de Alina Petrov à sua escola. A professora é uma novata recém-formada que parece intimidada pelo cumprimento da circunferência que tenta desenha. A mulher está perdida entre o pi e suas infinitas casas decimais.

Alina também o está. A garota não sabe identificar quantas voltas tem que dar até poder descansar. Quando sofreu o acidente ela começou a girar em círculos, em raios cada vez mais distantes do centro. Aumentando ainda mais a distância percorrida, mas continuando na mesma medida angular, saindo do lugar mais sem nunca deixar a área.

Talvez ela fique presa em um ponto qualquer entre o centro de tudo, seus pais mortos e o luto. Alina não está interessada em romper o perímetro da circunferência, só que também não quer ficar lá.

O que ela sabe sobre voltas, meia voltas, graus e centros foi matéria anterior. Porque Ali não presta atenção aos ensinamentos da confusa professora, que diz cada frase como se duvidasse da exatidão delas. Números para que? A aula passa devagar e à menina só resta divagar. Seu caderno não se preencheu de razões trigonométricas, sua cabeça está cheia de nada.

Faz tempo que a menina não trabalha mais com medidas, comprimentos e larguras.

A costureira não quer saber de catetos ou hipotenusas. Ela só gostava de ângulos quando abria as saias de seus vestidos em longos volumes. Ali está tendo pesadelos acordada. A família que não tem estabeleceu moradia permanente em seus pensamentos.

Ela gostaria que as ordenadas e abcissas capturassem sua atenção. A realidade é que não consegue nem mesmo olhar fixamente para o quadro sem odiar a perfeição daquelas circunferências completas, inteiras em suas voltas de trezentos e sessenta graus.

Petrov entende como identificar onde um ângulo começa, mas não pode saber quando sua tristeza termina.

Sua estimativa é que a dor dela seja como Pi, desconhecida e ilimitada. Algo que não pode mensurar e que mal se determina partes do conjunto.

Para todos os fragmentos que se sabe são tantos não imaginados.

Ali quer que a aula acabe, só que o horário ainda vai demorar. Ela pensa no que deveria fazer para ser liberada mais cedo. O que pode ser feito? Fingir está doente? Chorar do nada? Lágrimas a levariam direto para outro lugar, se o consultório da psicóloga ou sua casa provisória ela não sabe.

Eles estão preocupados, seus colegas e os funcionários da escola. A menina não quer deixar os mais alertas do que estão. Escapar dali resolveria seus problemas. Ela resolve que chorar intensificaria tudo, então pensa na outra possibilidade. Alina poderia convencer a professora com tossidas forçadas e uma alegação de mal-estar?

Desviando o olhar para seu caderno vazio, Ali olha para o que escreveu nas margens do caderno, como anotações.

Sou assimétrica, emotiva e cansada. Meus lados desiguais estão em desacordo, é uma desunião que me afeta ao extremo. Me é desconfortável. Desgasta minhas linhas. Se eu fosse simétrica, meus problemas seriam medidos com exatidão. Eu saberia solucionar eles sem criar meias luas profundas debaixo dos meus olhos. Tudo que eu tenho é esse monte de picuinha enrolada, pesando o não resolvido nos meus ombros e aumentando o peso a qual devo suportar.

Até estar dolorosamente inspirada, Alina Petrov nunca foi poética. Ela sempre se expressou melhor como estilista do que como escritora. A garota escreveu porque já estava com a caneta na mão. Mas não foi longe. As seis linhas resumiram bem tudo e não faltou apelar para nem mesmo uma última palavra.

Uma Corte de Estrelas CadentesOnde histórias criam vida. Descubra agora