Capítulo 25

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- ALEKSANDER MOROZOVA -

'O amor é a emoção mais leviana dos seres. Ele não nos salva, apenas enfraquece e nos leva às profundezas da miséria.' A criança que não pude ser repetia essa frase como o mantra dos religiosos, sempre quando a própria mãe o agredia por ser o que era.

O amor.
A bondade.
A honestidade.

' Eu lhe ensinei a não confiar em ninguém!' — Ela fazia isso porque sabia. Sabia que eu era o seu filho e o reflexo de uma das suas criações abomináveis, providas do sangue que corria em nossas veias, assim como aquele poder...

Vivíamos sozinhos, vagando por toda essa Terra de aldeia em aldeia. Éramos Grishas fugitivos, raramente ficávamos num mesmo local e sob a mesma identidade por mais de um mês e quando eu tinha 13 anos, apelidado por um codinome 'Eryk', chegamos a um acampamento Grisha localizado próximo à fronteira Fjerdana.

De todos, éramos os mais peculiares, realizando nossas tarefas e retornando em silêncio para a tenda distante dos outros. Não queríamos chamar atenção, mamãe alertou e restringiu-me com limites absurdos, e eu era uma criança curiosa e não desejava viver o resto da minha vida escondido como um 'monstro da floresta'. Poderia ser punido, mas recordaria esse momento único de liberdade.

Liberdade.

Olhar repetidas vezes para a pequena fissura em nossa tenda e desejar que a escuridão noturna desaparecesse e desse lugar a luz... Todas as manhãs, quando a minha mãe dormia ou realizava tarefas fora do local insalubre, eu fugia para a floresta ao lado do acampamento, desfrutava aquela paz exterior e retornava carregando baldes d'água antes que ela pudesse sentir minha falta. Numa manhã específica, encontrei-me com uma garota, eu a vi poucas vezes no acampamento enquanto observava o treinamento dos outros Grishas... Uma jovem Hidro.

Annika era o seu nome.

Passávamos as manhãs juntos, brincando e tentando não se importar com os problemas que nos cercavam. Certo dia, ela questionou minha origem e pediu-me para lhe mostrar meu poder, já que ela havia mostrado-me o seu. A princípio, neguei, pois sabia o que estaria me aguardando caso ignorasse as advertências desferidas a mim desde que me entendo como ser.

Annika recuou, chamando-me de covarde medroso, disse a mim que os outros meninos do acampamento me chamavam de coisas piores e duvidavam de mim incessantemente... Eu não poderia deixar que a única pessoa que permanecia ao meu lado se afastasse por julgamentos injúrios de outros.

Mostrei a ela.

Senti satisfação ao ver seu olhar impressionado. Sua reação mostrou-me a diferença, mamãe não tinha razão em nada...

Ela não fugiu de mim ou ficou com medo.

Annika se tornou minha amiga.
Minha primeira amiga.

'Prometo não contar a ninguém, Eryk.' — Ela era diferente, gostava de mim mesmo, havia descoberto a minha verdadeira face. Talvez eu conseguisse treinar junto aos outros Grishas da minha idade, coexistir entre eles como igual, provar para a mamãe que eu era capaz de controlar-me e ser diferente... Evitar ser como o meu sangue, meu parentesco, meu avô Ilya Morozova.

' Nós veremos amanhã?' — Encarei-a.

'Sim, amanhã... ' — Respondeu.

Retornamos ao acampamento e em outros momentos não discutimos sobre aquilo, era um alívio para mim, mas aquele peso permanecia insistentemente.

Era a única vez em que desejei a irrealidade como uma criança boba, me decepcionei e infelizmente não durou tanto quanto eu esperava. Ela era minha amiga. Eu precisava ajudá-la, deveria defendê-la, não importasse o meio... Mamãe ensinou-me isso bem quando incendiou nossa última estadia.

Além das Sombras e EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora