Constância

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 Os dias se passaram de forma confusa para Louis, sua rotina foi a mesma durante as férias, e se resumia em trabalho e casa, às vezes a casa era do Harry, outras era do Ollie, poucas vezes a do Calvin, mas desde o momento em que chamou Mark de pai sua mente estava constantemente em outro lugar, o que o fazia se perder nas tarefas mais simples, como limpar o balcão do café. Não voltou a se referir ao detetive daquela forma e usou a desculpa das voltas às aulas, com novos colegas de classe e nova rotina, para não se deixar pensar demais no tema, mas ele estava completamente consciente de como chamava Mark, e isso era exaustivo. Não era uma escolha de Louis, ele não estava racionalmente prestando atenção em como se referia a Mark, mas não conseguia deixar de ficar em alerta.

Não contou a Harry sobre o ocorrido, em parte porque não queria que outras pessoas soubessem e em parte porque não queria saber qual seria a reação do namorado. Harry tinha uma ideia quase fixa de que Louis deveria aceitar o relacionamento com Mark e Jay, e usufruir de tudo o que pudesse independente de ter ou não perdoado o detetive, mas Louis não conseguia ser assim. Até mesmo morar na casa deles parecia um abuso, mesmo que racionalmente soubesse que era obrigação de Mark cuidar de si até os dezoito anos, e oferecer um teto para o filho era uma das obrigações mais básicas.

Quando o dia de sua consulta com Thomas finalmente chegou, porém, Louis não conseguiu falar sobre os demais tópicos que gostaria de discutir com o psicólogo, porque tudo o que conseguia pensar era sobre ter chamado Mark de pai e o que isso poderia significar, porque ele não conseguia identificar em si se havia ou não perdoado o abandono do homem anos antes.

- Por que você acha que não o perdoou? - Thomas o perguntou com o olhar calmo e fixo em Louis, sua caneta esquecida sobre o caderno que utilizava para fazer pequenas anotações.

- Porque eu me vejo perguntando e pensando como as coisas poderiam ser diferentes se ele não tivesse ido embora, porque às vezes eu tenho inveja da Charlotte, que teve uma vida completa e feliz, porque eu me vejo tendo inveja do Jake, que teve uma primeira infância ruim, mas ele vai conseguir esquecer e viver feliz o resto da vida dele, com segurança, sem medo, com amor...

- Ter inveja dos irmãos mais novos é algo bastante comum, Louis.

- Mas isso me deixa com raiva do Mark.

- Eu também sinto raiva da minha esposa às vezes. - Thomas deixou um sorriso leve se desenhar em seu rosto. - Você tem muitas emoções, e muitas delas são conflitantes, eu sei, mas não necessariamente estão relacionadas a não perdoar Mark.

- É só... Parece impossível seguir em frente e esquecer isso... Eu cresci sem ele, cresci sem meu pai, mas desde que soube que não foi porque ele morreu, eu só... Eu não sei.

- Perdoar não é sinônimo de esquecer Louis. - Ambos sabiam bem que aquela frase é mais um clichê no mundo, mas havia uma verdade quase cruel nela. - Perdoar é conseguir olhar para seu passado, para sua história, com respeito e aceitar que não pode mudar. O que aconteceu é imutável. - Louis tinha os olhos presos nos castanhos de Thomas. - Perdoar é não deixar que o passado te molde, nem que ele afete suas relações com as pessoas que fizeram parte dele. Mark errou. Você sabe disso, ele sabe disso, mas até onde você vai deixar isso te afetar negativamente? - Não houve uma resposta, ao contrário, Louis desviou o olhar como se estivesse em fuga. - Você consegue me dizer por que o chamou de pai naquele momento?

- Eu não sei, só saiu. Eu nem percebi na hora.

- Mas porque naquele momento? O que você estava sentindo?

- Eu estava confuso... Mark e Jay estavam atordoados, me abraçando e perguntando se eu estava bem, quase chorando, eu... Eu fiquei confuso, eu nunca tive isso antes. - Sentiu sua garganta se fechar e a ponta de seu nariz coçar, estando ciente de que logo estaria chorando, mais uma vez, na frente de seu psicólogo. - Ninguém nunca se importou dessa forma... Eu... Eu nem sabia como reagir.

Sem VestígiosOnde histórias criam vida. Descubra agora