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          Dois dias se passam e a vontade de continuar dentro de casa diminuiu gradativamente até que eu me sentisse sufocada. Eu hiperventilei, não tendo nada para fazer além de assistir as fitas cassetes que Howard me trouxe, já que não tínhamos tevê à cabo. Percebi aumentos no meu corpo que não necessariamente me incomodavam, mas podiam ser melhorados. Me sentia quase sedentária, um sinal de que precisava recorrer. Às sete da manhã, assim que Howard foi embora trabalhar com sua turma, eu saí de casa e atravessei o quintal rumo a residência de Cherrie. Ela tinha acabado de se despedir dos conjugues — Shani e Carlos — e usava um par de óculos escuros — e o sol mal nascera. Presumi que estivesse de ressaca pelas inúmeras garrafas de cerveja atiradas em seu quintal... E eu ouvi sons curiosos de "diversão" durante a madrugada.

— Harriet, bun'dia. — Cumprimentou ela. Seu robe azul turquesa era estampado pelas silhuetas de flamingos.

— Bom dia, Cherrie. Eu... Eu queria ver se você tem algum tênis de corrida para me emprestar. Estou começando a pensar em me aventurar nisso, para me exercitar um pouco e melhorar a saúde. — Não era do meu feito pedir emprestado, mas correr de sapatilhas soou um pouco ridículo.

Cherrie bocejou.

Clarro qui tenho. Vem cá.

— Eu prefiro esperar aqui. — E correr o risco e ver pênis arroxeados e coisas que eu não fazia ideia de como funcionavam perto da piscina? Não, obrigada.

Cherrie fez um gesto positivo e saiu de vista. Eu segurei minha cintura, aguardando pacientemente. Georgia While passou na rua com um par de fones nos ouvidos e top em tom de nuvem. A vi fazer esse percurso antes, e odeiava admitir que ela foi a inspiração de eu tomar uma iniciativa. Quando Cherrie apareceu de novo, têm uma caixa com um bocado de itens.

— Pode pegar prra vo-cê. Eu nunca uso. Tenho prreguiça de malhar.

— Obrigada, Cherrie.

— Disponha, querrida. Vou dormir mais um bocadinho. Meu dia gerralmente começa as duas da tarrde.

Despedi-me dela com dois beijos na bochecha e retornei à minha casa para xeretar a caixa. Havia algumas calças leggings, camisetas regatas e um par de tênis esportivo. Experimentei um deles... Apesar de o busto de Cherrie bem menor, coube perfeitamente. Eu rapidamente substituí o vestido por um novo traje. Georgia voltava pela calçada, mas parou na minha frente.

— Olha só, alguém decidiu se exercitar. — Observou ela. Mesmo cheio de suor, o cabelo dela continuava terrivelmente lindo. — Por que não disse antes? Eu poderia ter te esperado para irmos juntas. É sempre bom ter uma companhia.

Não esperava que isso fosse acontecer. Estive evitando essa mulher desde a conversa sobre signos, porque meio que fiquei refletindo e comparando as semelhanças descritas para capricórnio naquela revista; vendo o que encaixava. Não tinha muito lá que eu me identificasse. Se eu fosse realmente trabalhadora como todos os demais do mesmo signo, por que estava parada a mais de três meses no tempo sendo dona de casa? Que capricorniana fajuta eu era. Mas, no fundo, alguma parte de mim se apegou as palavras da revista, por mais que eu me negasse.

— Decidi de última hora. — Murmurei a ela.

— Quem sabe amanhã não possamos tentar?

— Quem sabe... — não era óbvio que eu queria encerrar o assunto e enxotá-la? Minha intuição alertava que Georgia não era quem dizia ser, que representava um perigo para mim. Aquela carinha de modelo escondia uma personalidade narcisista medíocre.

— Tome. É bem melhor quando faz uso disso aqui. — While tirou os fones de ouvido e estendeu um aparelho branco para mim. Para não soar rude sem razão, o aceitei. — Pego meu mp3 amanhã. Bom treino, Harriet. Lembre-se de manter o ritmo para não cansar tão depressa. — Ela se despediu, então partiu para distante de mim pela rua, ganhando velocidade.

Ultraviolência: FragmentosOnde histórias criam vida. Descubra agora