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          Os raios ultravioleta iluminaram a campina, os lagos frios e a estrada de cascalho se alongando na paisagem entre floresta e a residência cercada por uma cerca de madeira no interior do campo. Havia animais, poucos deles, como se estivessem sido adquiridos recentemente. Algumas ovelhas, galinhas e uma vaca que recebeu o nome de Mimosa por sua dona. Os dois cavalos se alimentavam nos pastos de capim, longe dos ninhos de cupins e formigas espalhados pela região. Era um lugar pacífico, distante da sociedade, feito para um casal apaixonado viver seus dias de glória em paz e tranquilidade, onde envelheceriam juntos alegremente. Se chegasse para além da porta de madeira, veria o interior de uma casa simples, sem TV ou rádio, mas com dispensas cheias e muita cerveja nos armários. Era digno de fartura, não da modernidade. A cozinha tinha utensílios caros, os móveis e decoração, em sua maioria, eram rústicos ou envernizados, embora não combinassem. Certamente não foi planejado. No quarto de casal, a cama grande estava populada por uma única pessoa. O homem se virou e, de repente, percebeu a solidão no outro lado do colchão. Damon Constantin teve sonhos perturbadores com seu passado no segundo em que sua mulher deixou o cômodo. Ele não conseguia dormir direito sem ela por perto, só podia ter paz somente quando a abraçava e a sentia perto de si. Fora isso, um inferno.

— Holly? — ele chamou, sentando-se de uma vez. O cabelo estava um pouco aparado, mas ainda grande, porém, sedoso e brilhante. Ele inteiro ficou melhor depois de deixar o antigo sanatório Harkness. Não detinha mais uma aparência doentia ou desnutrida, sim bochechas rosas e olhos brilhantes. — Holly? — chamou novamente, saindo dos lençóis somente em suas cuecas. Ele pegou um roupão e enfiou a mão embaixo do colchão para pegar uma arma. Temendo, deu passos à diante. Não era possível que o tivessem descoberto... Não, não, não.

Damon passou pela cozinha, tomando cuidado a cada avanço no piso de madeira. Verificou todos os cômodos até chegar à conclusão de que ela não estava por perto. Merda. Holly não tentaria fugir dele de novo, tentaria? Da última vez que aconteceu... Infernos, lembrar de vê-la nas bordas do lago após ser tirada daquele carro por Bárbara o deixou agitado. Pensar nela imóvel e dura como um cadáver e em todas as massagens cardíacas que fez antes de Holly finalmente cuspir a água era tão ruim quanto pensar em Rosalie, a fodida mãe. Damon saiu para fora da residência, incerto do que diabos encontraria. Não havia ameaça de sirenes policiais, o que era um bom sinal..., mas daquela vez o FBI estaria o procurando, e eles eram muito espertos para se deixarem dar bandeira. Damon ouviu no rádio que as autoridades montaram uma linha do que houve com base na perícia, ligaram a imagem de Bárbara dirigindo aquele carro ao caso e a listaram como suspeita de estar envolvida na quadrilha. Por um tempo, disseram que estavam mortas, até o carro ser recuperado do lago e não encontrarem nenhuma das duas lá. O paradeiro da Doutora Holly Queenie era um mistério para o resto da sociedade... E não tinham certeza de que lado ela estava. Damon não queria que as coisas tivessem acontecido daquele jeito, não queria ter discutido com ela naquele dia e sentido o ódio nutrido... Tudo teria sido melhor se ele fugisse sem vê-la e fosse lhe procurar em seu apartamento depois que a poeira baixasse, como havia pensado no princípio.

Damon a viu. Era um ponto vermelho além da cerca, sentada em uma toalha rosa-salmão, apreciando os primeiros raios do dia lhe darem as boas-vindas. Já era março, o inverno se foi e deu lugar a belíssima primavera. Holly usava um vestido branco com flores de lavanda na estampa. Tinha mangas curtas bufantes, cintura apertada e uma saia rodada acima dos joelhos. Os cabelos dela estavam soltos e a armação de óculos a deixou agora que enxergava perfeitamente bem depois da cirurgia. Damon escondeu a pistola e correu para ela. Ficou abaixado. Todo dia, esperava o ressentimento o encontrando, o ódio..., mas Holly estava serena, alegre, tão delicada quanto a pétala de uma rosa.

— Por que me deixou, Harriet? — ele perguntou, alisando a lateral da bochecha dela.

— Só estava sem sono e decidi vir espairecer um pouco. — Ela retrucou, tombando a face contra a palma dele. — Quando vai me levar a cidade?

Damon fez um gesto negativo.

— Eu já disse que pode não ser a hora certa. — Murmurou Constantin, sentando-se e a puxando para um abraço apertado. Holly passou a ponta dos dedos no peito dele. — Seu acidente ainda é muito recente... É melhor esperarmos.

— Minhas memórias voltarem? — riu. — Sabemos que não vai acontecer. Já faz três meses desde o tal acidente e não me lembro de nada, nem desse lugar ou como era antes. Sou um caso perdido. — Sua última lembrança era a de acordar naquele lugar em um dia frio, encontrar aquele homem do seu lado e começar a gritar. Ela não sabia nem como se chamava. Se não fosse Damon ajudando, manipulando seu eu... Bom, quem sabe o que poderia ter acontecido? — Enfim...

— Podemos conversar mais tarde? Quero dormir mais um pouco e não consigo se você não estiver comigo. — Ele sussurrou, a beijando no pescoço.

Holly cedeu e retribuiu com um curto selinho.

— Tudo bem, vamos dormir mais um pouco.

Damon se levantou já com ela em seus braços e a carregou de volta ao interior da residência enquanto riam, contentes e despreocupados. Por um tempo, nada esteve tão perfeito quanto a vida daqueles dois...

Claro, era uma grande mentira. 

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Ultraviolência: FragmentosOnde histórias criam vida. Descubra agora