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— Bom dia. — Howard Fletcher cumprimentou assim que eu entrei na cozinha, esbanjando falsa alegria.

Na noite anterior, quando ele me pegou invadindo seu escritório, eu pensei que fossemos ter uma longa discussão acalorada entre quatro paredes, mas ao contrário disso, ele voltou a dormir e me deixou pensativa por horas. Eu tive medo. Não sei em que instante dormi, mas acordei com uma cama vazia e nenhum sinal de estrangulamento no pescoço, o que já soou como um saldo positivo. Agora aqui estava ele, fingindo que nada aconteceu, como se eu não estivesse agindo como uma louca a pouco tempo atrás de respostas para perguntas que eu nem sabia o porquê de estrar me fazendo. Mas, em meu coração, eu sentia que precisava descobrir alguma coisa, como se meu sexto sentido capricorniano indicasse algo.

— Fletcher...

— Ovos? Bacon? Estava em dúvida entre isso ou panquecas, então acabei fazendo os dois. — Ele voltou-se a mim, deslizando um prato de porcelana com o café-da-manhã bem na minha frente.

— Fletcher...

— Também têm suco de uva integral, mas não é natural. Trouxe industrializado mesmo. Na verdade, Ethel me deu. Bom, deu para que eu te desse, então ela meio que te deu.

— Fletcher...

— Ethel acha que você vai adorar. Sabe o quão caro custa dessa marca? É muita generosidade dela. Acho que te considera uma grande amiga. Por que não visita mais ela aos fins de tarde? Acho que seria melhor do que Cherrie...

— Fletcher! — Eu bati com as mãos na mesa, arrancando um silêncio dele. Estava de costas, de modo que não pude visualizar qual o semblante em seu rosto. Mas se fosse para apostar, eu diria que ele estava trincando o maxilar e todas as fileiras de dentes uma contra a outra para não xingar. Seus ombros tensos, a postura rígida e o cessar repentino do falatório eram prova disso. Eu sabia fazer uma ótima leitura corporal do meu marido quando preciso. — Fletcher... — Chamei-o de novo, em uma voz menos agressiva e mais pacífica.

Adotei uma postura séria na mesa. Ele ficou quieto por exatos quinze segundos, então suas costas relaxaram e ele moveu-se para mim com um sorriso comedido e os olhos brilhantes.

— Sim, querida? Do que precisa?

— Eu preciso que falemos sobre o que aconteceu ontem. Sobre eu ter invadido seu espaço pessoal.

Ele puxou a cadeira para se sentar.

— O que quer que eu diga?

O que eu queria que ele dissesse? Bom, tinha um pergaminho de acordo com tudo que se passava pela minha cabeça. Muita coisa entalada na minha garganta. Mas não era certo causar discórdia, porque eu fui a errada daquela vez. E por mais que não me sentisse arrependida, era o certo a se fazer: me desculpar. Desculpe. Tudo que eu precisava dizer para encerrar um assunto, porque ele obviamente estava disposto a pôr uma pedra em cima e fingir que não viu nada. Ele tinha tanto medo assim de brigar comigo? De gritar? Extravasar sua raiva? A mandíbula estava travada, mas ele não tinha sequer a coragem de berrar que eu fui uma estúpida e que abusei da confiança dele.

— Não sei. Diga que está chateado comigo ou bravo por eu ter mexido nas suas coisas. Diga que não confia em mim. Seja verdadeiro pelo menos uma vez. — Bradei, empurrando o prato com ovos mexidos, bacon e panquecas para o lado, de repente. Eles despencaram da mesa e foram parar diretamente no chão. Droga, não foi minha intenção. — Fletcher... — Agora o olhar dele estava fixado em toda a comida que preparou com tanto carinho e eu desperdicei. Eu me senti mal. Meu estômago se revirou. Não por medo, mas pela mágoa refletida em suas írises. Para ele, era como se eu tivesse cuspido em sua bochecha. Por quê?

Ultraviolência: FragmentosOnde histórias criam vida. Descubra agora