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           Como da primeira vez em que nos vimos, Georgia usava branco; calça legging, blusinha de alças abaixo dos seios e polainas nas pernas. Parecia estar vindo de uma sessão da academia... E ela tinha um piercing no umbigo. O cabelo superclaro preso em um rabo-de-cavalo apertado causou um pequeno dejavi na minha memória, mas eu não saberia dizer o porquê.

— O que você está fazendo aqui? — invasão de propriedade era crime, disso eu sabia. Adoraria citar, mas esperei uma resposta.

Georgia sorriu.

— Oi, Harriet. — Ela disse. — Nós duas começamos com o pé esquerdo. Eu não queria que você ficasse com uma má impressão de mim por ontem.

— Um pouco tarde, não? — eu cruzei meus braços. — Você agiu com um pouco de estranheza antes e acaba de entrar na minha casa sem permissão. Pelo que vi ontem, seus traços de personalidade demonstram um pingo de narcisismo, mas não quero me precipitar quanto a um perfil psicológico seu. Não nos conhecemos bem e, como você bem disse, começamos mesmo com o pé esquerdo.

Georgia soou surpresa, então fechou os lábios e fez um gesto positivo.

— Uau, não sabia que era psicóloga.

— E não sou.

— De todo jeito... — Consertou. — Eu não sou sempre uma megera, como as pessoas pensam. E achei você uma pessoa interessante. Se Cherrie, Shani e Ethel gostaram de você, é sinal de que pode ser uma pessoa agradável. Por que não podemos tentar de novo? Passo por passo? Quero tirar esse pensamento ruim que têm de mim. — Seus dedos agitaram no ar conforme gesticulava. Longas unhas pontudas e peroladas. — É possível?

Eu não estava preparada para aquilo, mas tentei montar uma análise para Georgia While. Corpo bonito, face esculpida, estilosa... Havia alguma coisa nela que não me exalava uma confiança, quase como se estivesse mentindo. Recordei-me do que Cherrie falou, sobre Georgia adorar fisgar os homens casados. E se ela estivesse se aproximando de mim para ficar mais perto d Fletcher? Eu nunca lidei com uma situação semelhante — se sim, não me lembrava mais —, portanto, não tive uma pré-opinião do que fazer. Sendo racional, estava óbvio.

— É possível... desde que não entre aqui sem pedir quando eu não estiver em casa. — Dei-a sua resposta final. — Tenho coisas a fazer, senhorita While. Por que não volta outra hora e tentamos nos conhecer do modo certo? Aposto que nós duas nos esforçaremos mais no terceiro encontro. — Era fim de papo.

Percebendo que havia perdido, ela levantou as mãos em rendição e retirou a garrafinha azul de água de cima da pedra. Aquilo indicava sua clara retirada de campo.

— A doutora é quem manda.

A vi sair de cena com uma calmaria serena e meu cérebro martelou repetidamente. Doutora? Uma palavra... familiar. Apertei meus olhos com certa força desnecessária e fui enviada para um momento de minha vida onde tudo era diferente.

***

Eu estava em um lugar diferente do habitual: nada de galinhas ou mato, menos ainda vestidos floridos com manguinhas bonitas. Usava uma saia abaixo dos joelhos verde-pinheiro e um suéter de losangos creme. Estava um pouco frio, mas eu suportava bem a temperatura com sapato fechado de salto baixo e meu cabelo preso em um coque bem-apertado. Sentia-me mais jovem, cheia de energia e com rubor nas bochechas por estar diante uma banca de jurados com o dobro da minha idade que conversavam entre si e faziam anotações em pranchetas pardas. Entre meus dedos, uma papelada era cutucada pelo meu nervosismo acentuado e eu não conseguia me aguentar para receber o derradeiro veredito. Fiz uma análise dos três: uma mulher com franja mal cortada, um homem grisalho com cachecol e outro parecido, mas com uma calvície evidente. "Você se preparou para isso a meses e têm treinado a semanas, vai passar". Eu repetia o mantra mesma para que não perdesse a esperança de uma resposta positiva; a de que eu tinha passado. Ajeitei meus óculos em cima do nariz uma nova vez e aprumei os ombros quando recebi uma segunda rodada de olhares críticos. Eu precisava repassar confiança para que também se sentissem assim. O do meio, senhor McCallum, depositou os cotovelos em cima da mesa e uniu as mãos. O olhar severo repousou sobre mim e, após uma longa encarada, ele suavizou seus traços envelhecidos pelo tempo.

Ultraviolência: FragmentosOnde histórias criam vida. Descubra agora