Encontros são sempre agradáveis

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Nathanael

- O QUE EU QUERO SABER É O QUE CARALHOS ELA ESTÁ FAZENDO AQUI?

Johna e Ricardo se entreolham sem saber o que dizer, é nítido o desconforto. E ainda mais, é óbvio que isso não foi um acidente, foi previamente pensado. A contrataram e a esconderam de mim. A porra do andar deles é propositadamente escondido de mim. Esses dois imbecis acharam mesmo que eu não fosse descobrir?

- O que vocês pensaram, porra? Que poderiam esconder o setor jurídico de mim? Sério? E por que caralhos essa empresa? Nós entrevistamos dezenas delas

Johna: Corrigindo, você descartou dezenas delas - o fuzilo com os olhos, mas ele não para - não tinha outra empresa, cara, ou era essa, que por sinal tem ótimas referências e um histórico impecável, ou nós ficaríamos sem advogados.

- Não fode, você só pode estar brincando comigo! Somos a merda da maior empresa de tecnologia do país, Johna! Podemos contratar quem quisermos.

Ricardo: A essa altura do campeonato pensei que já tivesse superado seus sentimentos por ela.

- O quê?

Ricardo: O único motivo plausível seria você ainda ter uma queda pela ruiva.

- Não me faz rir, caralho. Posso ter a mulher que quiser, não iria me contentar com o cabelo de cereja.

Vejo nítido nos olhos de Johna que ele concorda fielmente com Ricardo. A raiva me subiu tão rápido que precisei me segurar para não saltar a mesa e arrancar a cabeça deles.

- Você tem noção de que ela me trombou no estacionamento? Descobri sobre a admissão dela na porra do estacionamento.

Ricardo: Faz uma semana que estão com a gente, pelo menos agora você sabe.

- Aquela coisa ainda teve a ousadia de me chamar de lixeiro - os dois soltam o riso preso ao mesmo tempo, tão alto que mal raciocino quando dou a volta na mesa, afugentando os dois imbecis, que saem vazados pela porta.

Eu estou cercado de incompetentes. Passo pela porta, dando de cara com minha recepcionista. Ela levanta os olhos da tela do computador para mim, com um sorriso receptivo.

- Grace, eu tenho algum compromisso agora?

Grace: Uma reunião com os representantes da…

- Cancela!

Grace: Mas senhor, essa reunião está agendada desde o dia…

- Só cancela, Grace. Você não é paga pra argumentar, só pra organizar meus compromissos e esse vai ser cancelado, você entendeu? - ela assente baixo.

Desço cinco andares até o jurídico. Preciso olhar pra ela de novo. Todos os setores já estavam habituados com a minha presença exercendo outros cargos que não fosse exclusivamente ser o dono da empresa. Eu gostava disso, sentia que podia fazer mais do que só dar ordens, que fazia parte de um pouco de cada parte, às vezes ficava na sala com os engenheiros, às vezes no setor de correspondência, dependia muito do meu humor.

- Tom, tem correspondência pro jurídico hoje? - digo alto, fazendo o homem grisalho se assustar em um pulinho

Tom: Tem sim, senhor, estava indo levar agora.

- Deixa, eu levo. Vai tomar um café - ele concorda se retirando.

Gostava dele. Gostava não, porque fazia tempo que não gostava de ninguém. Tom parecia ser a única pessoa naquele lugar, fora Johna e meu pai, a qual o meu humor não afetava em nada. Também, pudera, meu tom de voz nunca se alterou com ele, tenho um respeito enorme por ele. Digamos que seja isso, eu o respeito. 70 anos, já podia estar aposentado, viúvo e 3 filhos já casados, que nunca o visitam. Ele era um puta homem, que não tinha o valor que merecia. Tanta gentileza e bondade não eram suficientes para acabar com a solidão que ele possuía. E de solidão… eu entendia.

Atravesso o corredor recebendo olhares já mais atentos sobre mim. Aqui eu era o Nathanael, o faz tudo. Mas por trás do vidro, os funcionários tremiam na base sabendo quem eu realmente era. Já mandei dezenas deles embora só por maltratar servidores daqui. Odeio pessoas petulantes, que sentem que são superiores a outras por causa de um carguinho numa empresa. Ensino superior… chegava a ser piada como isso podia deixar alguém arrogante.

Julieta: Senhor Tom, mais correspondência? - ela falava num tom animada vendo a ponta do carrinho chegar à porta de sua sala, mas quando me viu, seu sorriso murchou da face.

Ela se levantou rapidamente e eu apenas entreguei os pacotes de documentos. Esses, em especial, eram por causa do evento de dois meses atrás, o qual tínhamos fornecido os motores de automóveis “adaptados”. Amanhã, depois da festa de recepção, teria novamente e eu estaria lá, como todos os dias de 15 em 15 dias, ao longo dos últimos 5 anos.

Permiti que meus olhos varressem seu rosto, com calma dessa vez. Era só um rosto comum de uma mulher comum. Pele comum, olhos comuns, boca… bufo em frustração. Boca mais comum ainda. Não tinha nada de especial, não sei o que foi que me atraiu nessa garota tempos atrás. Seu cabelo, agora em tom vermelho cereja, estava preso em um coque frouxo no topo da cabeça. Ela usava um terninho e tinha o rosto natural, sem maquiagem.

Voltei a empurrar o carrinho quando ela me chamou num tom baixo. Revirei os olhos antes de me virar para ela.

Julieta: Eu sinto muito mesmo por ontem à noite. Eu não quis insinuar… - ela deixa o ar sair pela boca - eu não quis ser desrespeitosa com sua profissão, muito menos sujar o que você tinha acabado de limpar. Eu te respeito muito.

Nathan: Eu já disse para parar de perder tempo com desculpas que não me interessam

Ela franze o cenho e por um segundo poderia jurar que ela riu irônica. Ela monta uma postura séria, confiante. Empina aquele maldito nariz, como costumava fazer e me olha nos olhos.

Julieta: Você fez curso de babaca paralelo a engenharia, por acaso? - como é? Tenho certeza de que meu rosto se virou em choque - se pedi desculpas foi por me preocupar com as minhas ações sobre as pessoas. Quem é você na fila do pão pra se achar tanto? Que eu saiba o sol gira em torno da Terra e não da sua cabeça - cacete - Me desculpa, Nathan, por pensar que valia perder o meu tempo com você.

Eu queria rir. Essa…. Essa maldita. Eu estava prestes a ir pra cima, quando Johna surgiu no corredor, parecia ter ouvido tudo e se continha para não sorrir. Devia colocar os dois na rua. Johna por insubordinação. E ela por atrevimento. Ela sequer sabia com quem estava falando. Mal sabia que eu tirava sim, o lixo. Os lixos de pessoas que já tiveram o desprazer de cruzar o meu caminho. E ela, agora, era uma demissão em potencial.

Johna: Algum problema, senhorita Marshall?

Julieta: Não, nenhum. Obrigada por perguntar. As pastas já foram todas catalogadas e os registros dos últimos três anos estão separados - ela diz com um sorriso enorme no rosto

Nathan: Você fez tudo isso em uma semana? - o sorriso some 

Julieta: Diferente de uns e outros, eu uso meu tempo para ser pró-ativa, não para ser desagradável com outros funcionários. Se me dão licença, eu preciso organizar essa também - diz se referindo ao pacote que acabou de pegar - um bom dia senhor Torres - ela retoma o sorriso, se virando para entrar na sala. Passa por mim como se não fosse nada.

A porra de um nada!

Empurro o carrinho para Johna, que segura uma risada. Subo de volta ao meu escritório tão rápido que poderia deixar um rastro de fumaça. Ela cresceu bastante, não é só uma garota atrevida, virou uma mulher agressiva. Ela é tão insolente que eu tinha vontade de… de…. De sei lá porra. Passo pela Grace na recepção, dando instruções simples e objetivas.

- Tira uma folga hoje, transfere a responsabilidade de confirmação de presença do evento de amanhã para o setor jurídico. Soube que o serviço deles está bem adiantado.

Ela sorri enorme em gratidão e começa a juntar suas coisas. Quando a cabeça de cereja souber vai dar uma crise nervosa e explodir de vez, mandar o CEO para o inferno e o diabo o carregue. Só no evento de amanhã contaríamos com a presença de mais de 400 convidados, e agora ela teria que se virar para contatar um por um. E sozinha. Pobre, Julieta, mal ela sabia que eu era o próprio diabo e que agora ela estava no meu inferno pessoal. Ela quer brincar, não? Então que siga as minhas regras.

Até então havia pensado em apenas demiti-la, mas ela insistiu em cruzar os limites e voltar pra minha vida, então vou fazer ela ficar tão mal a ponto de sair daqui chorando feito uma criança.

É uma promessa.

Tudo ou nadaOnde histórias criam vida. Descubra agora