Ringue

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Essa época do ano é prazerosa e complicada ao mesmo tempo. Tenho notas para lançar no sistema da escola e provas para serem entregues, com um prazo de 2 dias para o encerramento do período letivo. O que me tranquiliza é que em menos de uma semana meu pai e a Sônia chegariam de Paris, passaríamos o Natal juntos com a família de Nathan. Iríamos visitar a tia Marta no hospital e comer o suficiente para alimentar 20 pessoas. É uma tradição, vamos até o apartamento do Nate, Johna fica com a gente e meu pai e a Sônia vem para que comamos juntos, é a tradição. Queria que a tia Marta estivesse aqui. Sempre passamos o ano novo juntos.

Ano novo….

Nem dá para acreditar que vai fazer oito anos de tudo, 5 anos que peguei meu diploma, 3 que fiz minha pós graduação, e 3 que passei no concurso para lecionar. O tempo discorre mesmo de forma não linear, mal me lembro quando foi a última vez que pensei na faculdade, mas me lembro bem a última vez que pensei no rosto dela. Hoje de manhã. Onde será que ela vai passar o natal? Será que vai para casa?

Anne isso não é da sua conta. Sei que devia me desvincular logo dos pensamentos sobre ela, como prometi ao Nate, mas não consigo, eu mal conseguia quando ela estava longe e agora que está perto, parece praticamente impossível.

Eu queria tanto conseguir ser firme como ele… Nathan parece uma muralha, indestrutível. Ele criou uma camada de proteção impenetrável, mal consigo ver nele o cara doce e gentil de anos atrás, embora saiba que ele é uma boa pessoa. Isso, claro, quando está “calmo”, Deus sabe como ele pode ser demoníaco quando está com raiva.

Precisava passar em casa para trocar de roupa, marquei de encontrá-lo no tatame em 20 minutos. Entro em casa, tirando o casaco, corro no banheiro apenas para molhar o corpo e logo saio com o cabelo já preso num rabo de cavalo alto, coloco a calça mais confortável que tenho por cima do short, pego as luvas, mas antes que possa sair do apartamento, noto uma caixa sob a banqueta de mármore da cozinha. Não é grande, mal se destaca na cozinha.

Minha casa era simples, o apartamento era pequeno, num bairro pouco seguro, mas eu preferia assim, Elloa estava confortável, os filhos estavam estudando, eu vivia bem, comia o que queria, comprava o que queria, não precisava de nada mais. O AP tinha 2 quartos, por mais que fossem pequenos, a cozinha era planejada e a sala era pequena, alguns lugares eram mal iluminados, mas combinava comigo. Nathan me ofereceu várias vezes um apartamento, mas eu queria sentir que conseguia me cuidar sozinha, já havia dependido dele tantas vezes, que não considerava justo mais essa, tava na hora de me sentir um pouco mais adulta, até poderia morar com ele e Johna, mas acho que nos mataríamos.

Ao abrir a caixa, me deparo com um porta retrato, contendo uma foto minha e do Nate no Pugbs, um bar charmoso que frequentamos bastante quando me mudei para cá, era nosso preferido, fizemos amizade com o dono, mas abandonamos as idas quando precisamos ser um pouco mais profissionais. Nosso rosto está suavemente rosado na foto, consequência do álcool, mas estávamos felizes, meu sorriso era enorme e ele beijava meu rosto. Foi justamente a época em que me senti balançada por ele. Me perguntei algumas vezes se o que tínhamos não passaria daquilo, mas foi quando entendi que almas gêmeas também são amizades e também se amam, e mais do que isso, quando se ama tanto alguém e passa tanto tempo com essa pessoa, acaba sendo comum confundir um pouco as coisas, às vezes. Quando se ama tanto alguém ao ponto de transcender os limites das relações rotuladas, namoro, noivado,essa relação é perpétua, é amizade.

Um laço desse tipo não pode ser rompido.

Fico alguns minutos olhando o porta retratos, lembrando cada detalhe daquela noite, as gargalhadas, o clima fresco, as luzes e o jazz, principalmente,  até notar a presença de um bilhete na caixa: Você vale uma vida. Nate tem a chave do apartamento, e mesmo que não tivesse, não existe fechadura para ele, consegue arrombar qualquer coisa e se não consegue, pode pagar facilmente para que alguém o faça, não existe proteção contra ele. Alargo o sorriso, colocando o porta retratos em cima da mesinha ao lado do sofá, dou uma última olhadinha e saio apressada, Nate se atrasa com frequência mas odeia atrasos.

Tudo ou nadaOnde histórias criam vida. Descubra agora