Dubiedade

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A primeira coisa que notou foi o chão de pedras claras sob seus pés e a imensidão do horizonte, se perdendo ao longe na direção da rodovia, que levava àquele bar. Olhou ao redor, sentindo como se o silêncio ecoasse: não ventava, não havia mais ninguém, não passava um carro.

Então, estreitou os olhos na direção da conhecida construção, sentindo o calor do sol ainda alto castigando-o no que parecia ser um deserto qualquer do interior do país e quase recuou em choque ao colocar os olhos na mulher, que tinha certeza não se encontrar ali um segundo antes.

Estava encostada contra a soleira da pequena varanda de assoalho de madeira, que antecipava a porta do bar e tinha os braços cruzados, examinando-o de olhos estreitos devido à claridade excessiva daquele lugar. Notou as próprias mãos suarem, enquanto examinava as feições bonitas, mas fechadas da mulher, que somente lhe arqueou uma sobrancelha e deu às costas, entrando no bar.

Repentinamente, se lembrou que, tecnicamente, deveria procurar pela Força de Aceleração, buscar contato, tentar entender o motivo de todos aqueles sonhos e lapsos. Não sabia o que ela estar ali provavelmente significava, especialmente levando em consideração que tomava a típica aparência de sua mãe. Essa era a forma que a Força de Aceleração sempre usava com o intuito de transmitir que poderia confiar nesse poder, maior do que linhas temporais alternativas e do que o próprio Barry.

Assim, engoliu em seco e seguiu pelo caminho por onde a mulher sumira. Ouviu o rangido da porta quando a empurrou lentamente, não conseguindo evitar a hesitação. Ao mesmo tempo em que queria toda aquela situação resolvida, não sabia o que esperar da Força de Aceleração e conhecia todos os riscos. Não tinha ideia do que poderia acontecer ali ou do que aquele bar significava – poderia se tratar somente de um ponto perdido e pequeno em meio ao multiverso.

O interior do lugar parecia o mesmo, mas possuía uma aura mais escura e etérea, em detrimento do sol do lado de fora. O balcão de madeira, que acompanhava o comprimento do bar também estava lá, mas as banquetas e todas as mesas e cadeiras haviam sumido, exceto por uma. Exatamente no meio do cômodo, a mulher estava sentada à mesa de madeira em postura ereta, os cotovelos apoiados sobre o tampo e as feições completamente livres de qualquer emoção.

O olhava de forma direta, pois estava, claramente, aguardando-o.

Apesar de ser exatamente como Nora Allen, desde os característicos cabelos ruivos cacheados e cheios até os olhos verdes, jamais associaria a ela o brilho ferino e os lábios apertados. Sua mãe era carinhosa, além de ter as feições muito suaves. Em sua visão, era a mulher mais gentil que conhecera, incomparavelmente. Contudo, não havia nenhuma gentileza estampada em qualquer poro da mulher aguardando-o.

- Joga comigo, Sr. Allen?

Só então notou que, sobre a mesa, havia um tabuleiro de xadrez com todas as peças brancas e pretas perfeitamente arrumadas. Tentou compreender o que aquilo significava para sua história, para que o que vinha acontecendo com ele, mas não chegou a qualquer conclusão plausível e, lentamente, se aproximou.

Pelo espelho no fundo da prateleira do bar, sob todas as bebidas intocáveis, conseguiu enxergar seu próprio reflexo, mesmo que à pouca iluminação amarelada. Com algum espanto, notou os cabelos um tanto mais claros, a falta de barba e os contornos do rosto, especialmente dos olhos, um pouco mais maduros.

Por um instante, se perguntou se aquela era a versão que vivia todos aqueles sonhos e lapsos, pois não havia qualquer outro motivo para que não o fosse. De uma forma estranha e questionável, sabia que sua aparência ali parecia diferente da própria realidade neles, mas ainda assim se reconhecia no velocista que vivia tudo aquilo com Caitlin, afinal... Era capaz de sentir tudo o que ele sentia. Como se estivessem conectados, ainda que à distância.

Dark End Of The StreetOnde histórias criam vida. Descubra agora