— Não faz bem comer a sobremesa primeiro, sabia? — Maraisa comentou.
Ela sabia que estava sendo pedante e tediosa, mas não conseguia deixar de tagarelar quando estava nervosa. Sua ansiedade em relação à casa noturna crescera exponencialmente desde a semana anterior, e o evento principal seria dali a poucas horas.
Além disso, Marília estava segurando sua mão.
Sua palma suava tanto que ela não sabia como a outra ainda conseguia tocá-la, muito menos agir como se fosse a coisa mais natural do mundo. Estranhamente, ela lidara melhor com as preliminares do que com aquilo - até acabar interrompendo tudo, era verdade, e no momento pelo menos estava vestida. Era impossível culpar sua habitual aversão ao toque. Ela gostava de ser tocada por Marília.
As duas caminhavam de mãos dadas por uma calçada movimentada de San Francisco, e parecia que todas as pessoas que passavam sorriam para elas. Um velhinho de boina até deu uma piscadela.
Todos pensavam que eram um casal.
Maraisa teria dado risada da situação se não sentisse que de alguma forma era alvo de uma pegadinha maliciosa. Um grupinho de meninas de vestidos curtos passou, lançando olhares para Marília, dando risadinhas e cochichando. Encararam Maraisa com uma inveja palpável de que ela até gostou, apesar de saber que não merecia. De terno cinza e camisa social preta, Marília estava especialmente tentadora naquela noite.
— É aqui. — Marília soltou sua mão e abriu a porta para que entrassem em uma sorveteria à moda antiga, com piso xadrez preto e branco. Lustres cor-de-rosa iluminavam os congeladores cheios de sabores e coberturas. — Qual é seu sorvete favorito?
Maraisa não conseguia nem pensar com a mão dela pousada na base de suas costas. Marília sabia o que estava fazendo? Ela já tinha visto outras pessoas fazendo aquilo com a namorada. Mas Maraisa não era namorada dela.
— Menta com gotas de chocolate. — Ela respondeu.
— Sério? É o meu também. Vou pedir outra coisa então, pra gente dividir. — Marília acariciava distraidamente a cintura dela enquanto avaliava os sabores, fazendo seu corpo todo esquentar.
— Espera, como assim?
Um sorriso malicioso surgiu nos lábios da loira. — Não quer dividir?
A garota com jeito de universitária atrás do balcão olhou para Maraisa como se ela tivesse acabado de dar um pontapé num filhote de cachorro.
— Não, não é isso. — Não exatamente. Depois de tantos beijos, ela sabia que era bobagem se preocupar com a troca de germes. Ela fizera uma análise detalhada dos sabores de sorvete e escolhera o melhor. — É que já sei do que gosto.
— Isso a gente vai ver. — Marília deu um tapinha no vidro do balcão. — Menta com chocolate para ela e chá verde para mim.
Maraisa queria pagar, mas a loira tirou as notas da carteira antes que conseguisse sacar o cartão de crédito. Quando elas se sentaram a uma mesa preta de metal perto da janela, Marília enfiou a colher no sorvete, saboreou e abriu um sorriso lento e largo enquanto tirava a colher da boca e pegava mais um pouco.
— Que coisa ridicula — Maraisa comentou. — Parece que você está fazendo um teste para um comercial da Häagen-Dazs. Ninguém sorri desse jeito depois de tomar sorvete.
A loira achou graça. — É bom mesmo. — O sorriso voltou com toda força, acompanhado de uma covinha.
— Agora eu preciso experimentar. — Maraisa levou a colher ao pote dela.
— Ahá! — Em vez de deixar que ela pegasse uma colherada, Marília levou a própria colher à boca dela. Os olhos da ergonometrista se arregalaram, e pensamentos conflitantes surgiram em sua cabeça.
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Love Numbers | G!P
Fiksi PenggemarMaraisa Pereira tem dificuldades de se relacionar com as pessoas, ela tem síndrome de Asperger e muitas vezes não consegue filtrar o que diz ou simplesmente 'trava'. É uma mulher sensível e odeia desorganização. Sendo econometrista, ama números e é...