Merda em cima de merda.

50 8 1
                                    

Encarei aquele papel dado pelo médico, enquanto ele tentava me confortar. Não era a primeira nem a última que um médico faria aquilo, mas não vou mentir que me deixava frustrada todas as vezes. Um suspiro escapou dos meus lábios e ergui os olhos na direção do homem de meia idade.

— Você entende a urgência nessa situação, não sabe, senhorita Souza? — assenti. — Há alguém que possa lhe acompanhar nesse momento? — sacudi a cabeça em negativa.

A verdade, era que não queria ligar para minha mãe, chorando horrores para que ela voasse até a Coréia. Ela tinha sua vida e era uma assalariada como eu, tentando pagar aluguel e contas de luz exorbitantes.

Não, eu não deveria ligar para ninguém naquele momento. Já bastava os parentes me contactando nas adm's para saber se eu realmente faria aquilo, jogar fora a oportunidade de ter uma família e tudo mais. Será que ninguém entendia que eu não tinha opção?

— E quando vai começar o tratamento inicial? — perguntei encarando o médico.

— O mais rápido possível — assenti. — Podemos começar hoje.

Um nó se formou na minha garganta, pois não esperava que fosse tão rápido. Eu tinha tirado um tempo do escritório para pegar o resultado dos exames, mas não esperava aquilo. Por isso lembrei de todas as desgraças que passei com meus chefes — eles que fossem a merda.

Se eu morrer, eles vão continuar vivos, ricos e serei substituída por outra auxiliar jovem, saudável e submissa.

Uma enfermeira me guiou até uma sala para trocar a roupa por um robe hospitalar, depois para uma enfermaria onde outros pacientes recebiam o tratamento. O gotejar do remédio me deixou um pouco hipnotizada, enquanto o celular apitava as inúmeras ligações e mensagens do escritório.

Meus olhos pesaram e devo ter tirado um cochilo no meio da sessão, ou simplesmente o remédio me deixou completamente zonza. Fui desperta pela enfermeira, anunciando o fim, então tentei me levantar, vendo tudo embaçado — precisando ficar sentada um pouco até aterrissar na Terra.

— A senhorita tem alguém para vir buscá-la? — a enfermeira simpática tocou em meu ombro com um olhar preocupado e neguei com a cabeça, sentindo-a girar.

— Posso ficar mais cinco minutos aqui? — perguntei cerrando os punhos nos joelhos.

— Tudo bem, mas avise quando estiver pronta. — Assenti, vendo-a se afastar.

Quantas vezes eu já tinha passado por aquela mesma situação antes no Brasil? Muitas e muitas. Somente minha mãe sabia disso, pois era a mão dela que segurava a minha ao fim de tudo aquilo. Quando os efeitos colaterais me atingiam em cheio e ficava tonta, mal ficando de pé.

Absolutamente ninguém sabia disso e o que restava era fingir que tudo estava bem. Foi exatamente o que fiz quando adentrei o escritório e tinha vomitado minha alma na lixeira dois quarteirões antes da empresa. Cumprimentei meus colegas e me sentei na cadeira de auxiliar, iniciando o trabalho.

— Onde você estava, Souza? — sobressaltei ao dar de cara com o secretário Kim.

Seus olhos estavam arregalados e dada sua expressão, estava em completo pânico pelo meu sumiço, pois significava que os patrões estavam com o cão nos couros. Rapidamente me pus de pé, fazendo uma mesura.

— Precisei ir ao médico. — Respondi com a cabeça abaixada.

— Médico? Você está bem? — ergui a cabeça assentindo e acrescentando mais uma mentira na minha vida.

Vou passar longe da porta do céu.

Um estrondo vindo do escritório presidencial nos chamou atenção. Secretário Kim me encarou temeroso, ou seja, alerta vermelho.

MAUSOnde histórias criam vida. Descubra agora