O namorado ideal.

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Soltei a fumaça do cigarro após tragar a nicotina — devo ter feito aquilo quantas vezes? Olhando para meu relógio de pulso, estava atrasada para o serviço, então queria dizer que era muito tempo, pois os quinze minutos de descanso se foram há muito tempo. Tudo que eu queria era apenas me esconder o quanto podia naquele prédio — talvez deveria ter me dado uma folga ou fingido uma dor de barriga.

As coisas simplesmente estavam passando dos limites em minha vida. Usei meu corpo para ter uma folga no trabalho e ir a quimio — cheguei em casa um lixo e o médico não me deu esperanças a respeito de não precisar da cirurgia. Liguei na mesma noite para minha mãe com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu nunca serei mãe! — Encarei o rosto da mais velha, que também tinha lágrimas nos olhos.

— O importante é sua saúde, filha!

— Vim pra esse país atrás de uma solução melhor do que uma castração definitiva, mas o câncer está se espalhando e se não for removido, vai atingir outros órgãos, então vou morrer como a prima Catarina, antes dos trinta.

— Não, você não vai morrer! Vai fazer a cirurgia e ter uma vida normal, ouviu?

— A senhora lembra da Suzane? — ela assentiu do outro lado da tela. — Ela engravidou três vezes e abortou por vontade própria... eu quero filhos e não vou poder. — Cobri o rosto com as mãos, chorando copiosamente, ouvindo a voz da minha mãe me chamando.

A vida não era justa e parecia que Deus só dava asas para quem não sabia voar. Não importava muito o que fizesse, estava fadada aquele destino e para piorar, desde o dia que resolvi revidar as tramoias dos meus chefes e agir como a p*ta como eles gostariam que eu fosse, tenho ficado mais estressada que antes, pois manter o papel de mulher foda e desempendida, dona do meu umbigo não era fácil. Às vezes eu só queria um pouco de calor humano sem segundas intenções, um ombro amigo, talvez, mas o que eu tinha era apenas homens que queriam me usar.

Eles não faziam ideia da minha dor e nem se importariam se soubessem. Precisava me conformar, aceitando a solidão como parte de mim.

Soltei um suspiro cansado, tragando novamente o cigarro e soltando a fumaça; talvez aquele fosse meu destino, ou a solução era voltar pro Ceará após a cirurgia, ser uma solteirona e terminar meu curso em pedagogia.

— O que faz aí? — Tomei um susto ao ouvir aquela voz, então virando a cabeça, encontrei um secretário Kim preocupado.

— Quer? — ergui o cigarro em sua direção e ele sentou ao meu lado no chão no terraço da empresa.

— Essa coisa ainda vai te matar — respondeu pegando o cigarro e tragando.

— Olha quem fala — debochei, tendo-o me encarando.

— Eu já sou um velho e você é jovem, tem muito o que viver.

— Bobagem! — disse. — Está fugindo também?

— Faltou bem pouco para eu pedir demissão — suspirou. — Era tudo que eu queria.

— Nesse momento eu gostaria de um namorado — suspirei, novamente sendo encarada por ele.

— Por que quer um namorado?

— Que pergunta mais imbecil, secretário Kim! — Arqueei uma sobrancelha. — Eu queria alguém que gostasse de mim por mim e não pelo meu corpo — respondi desanimada e o secretário Kim por alguns segundos se manteve em silêncio.

— Quer que eu seja seu namorado? — virei a cabeça lhe encarando surpresa com tal proposta. — É muito chato ir ao cinema ou comer sozinho.

— O senhor não é casado, secretário Kim?

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