Capítulo 4

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Vou te mostrar o que eu digo
É verdade, ooh, ooh
Que eu, eu nunca vou te dizer mentiras
Valentine – Train

"O coração de Hugo dispara quando a porta se abre e Camille aparece, com um doce e singelo sorriso iluminando a sua face."

– Então quer dizer que você me acha bonito, lindinha? – Escuto o sussurro da sua voz grave e rouca ao pé do meu ouvido, e instantaneamente eu sinto os pelos do meu braço se arrepiarem.

Respiro profundamente, porque eu simplesmente odeio quando o ônibus adentra nesta avenida em específico. Porque aqui é o ponto do Scott. E quando o playboyzinho entra no ônibus, a minha leitura matinal é bruscamente interrompida.

– Você se acha, hein. – É tudo o que escapa dos meus lábios quando eu sou obrigada a erguer os meus olhos do livro.

– Max me contou que ouviu a sua conversa com aquela paciente, Hope. – Scott segura a alça azul ao sentir o ônibus acelerar. – E você falou para ela que eu sou bonito. E saber disso realmente fez o meu dia, lindinha. – Ele coloca uma de suas mãos sobre o coração, suspirando alto.

– Por que você não senta em um lugar qualquer e me deixa em paz? – Aponto para as cadeiras vazias do outro lado do corredor do ônibus, longe do meu acento. Por fim, lhe devolvo um sorriso fingido.

– Adoro o seu humor pela manhã, enfermeira Sun, é realmente... agradável. – Os seus olhos castanhos me analisam por um momento.

Sem ao menos me dar ao trabalho de lhe responder algo, volto a minha atenção completa ao livro. Procuro até encontrar o último parágrafo lido.

– Ah, e antes que eu esqueça: Camille aceita a proposta de ir à Chicago e termina com o Hugo. – Volto a ouvir a sua voz me desconcentrando da leitura. – E fique tranquila, lindinha, dessa vez eu não estou inventando. – Scott faz questão de me mostrar a tela do seu celular, onde está escrito o maldito spoiler.

Sinto o sangue ferver em minhas veias, como se eu estivesse a ponto de explodir a qualquer instante. O desgraçado apenas sorri largamente antes de finalmente se sentar em um dos bancos vazios.

– Espero que você tenha passado dessa parte, enfermeira Sun. – A sua voz está um pouco alta para que eu possa escutá-lo. – Sabe, eu odiaria contar um spoiler. – Ele junta as sobrancelhas antes de colocar os seus fones de ouvido.

Fecho o livro em meu colo com força, absolutamente nervosa com a sua total falta de noção. E eu passo o restante do caminho em completo silêncio, respirando pesadamente enquanto tento me acalmar. Toda manhã Scott encontra um jeito diferente de me tirar do sério.

No hospital Lemoine, deposito todas as minhas energias nos pacientes que encontro durante o dia. E pouco a pouco, o residente Scott abandona os meus pensamentos, deixando-me completamente aliviada.

E, ao caminhar pelo primeiro andar, encontro Hope em uma das salas de consulta. Scott está conversando com os pais da garota do lado de fora, provavelmente discutindo os detalhes da sua cirurgia, que será em breve. Ao passar por eles, sinto o olhar penetrante do residente sobre mim.

– Oi, Hope. – Adentro a sala onde a garota está, sozinha.

– Caramba, você é tão linda que eu literalmente perdi o ar quando a vi entrar. – Ela brinca, apontando para a cânula nasal presa em seu rosto. Sorrio, mas percebo que, mesmo com o aparelho, Hope respira com dificuldade. – Usei essa com o garoto que eu gosto e ele riu. Então acho que estou no caminho certo.

– Como você está? – Toco delicadamente a sua mão, porque sei que ela costuma fazer gracinhas quando não está bem.

– Ofegante. – Hope se encosta sobre a cama do hospital e eu vejo o seu peito se movimentar rapidamente. – Mas o meu time de hóquei está em uma boa fase, pronto para ganhar o campeonato, e a minha cirurgia está finalmente marcada. Então estou bem, certo?

– Certo. – Tranquilizo-a, porque ela parece ansiosa.

– Falando em cirurgia... – Hope olha para a janela por um momento, observando demoradamente o Scott conversar com os seus pais. – Você vai gostar disso: o novo residente me disse que tem uma queda por ruivas. E ele acha você bonita.

– Por que exatamente eu iria gostar de saber disso? – Pergunto, rindo.

Mas, por alguma razão desconhecida, sinto o meu coração se acelerar minimamente abaixo do meu peito. Bom, talvez o motivo não seja tão desconhecido assim... saber que um homem lindo também pensa que eu sou bonita é, de fato, animador. E é bom saber que eu sou vista por alguém.

E, no mesmo segundo, eu estranhamente me lembro de Jackson Hill. Lembro-me de vê-lo dizer para os seus amigos que ele gostava de garotas ruivas e de olhos azuis, como eu. E eu me lembro do jeito que ele parecia estar brincando, mesmo mantendo a expressão séria. Lembro da maneira como ele me irritava profundamente no recreio da escola.

Sinto uma raiva crescente dentro de mim ao notar que Scott, de aproximadamente vinte e quatro anos, se comporta exatamente da mesma maneira que um menino de nove. Patético.

Há um aperto estranho em meu coração quando me dou conta que as suas palavras claramente não foram reais ou sinceras. Exatamente a mesma sensação desconfortável quando pensei que Jackson Hill estava apenas brincando.

Pelo canto dos olhos, noto que os pais de Hope adentram timidamente a sala de consulta. Então, despeço-me e caminho de volta para o corredor, dando-lhes privacidade. E Scott está esperando por mim.

– Então quer dizer que você me acha bonita? – Resolvo o imitar enquanto reviro os olhos lentamente.

– Por que você acha que eu te chamo de lindinha, enfermeira Sun? – Ele pisca discretamente. Em seus lábios há um sorriso despreocupado.

– Queda por ruivas, sério?

– Ah, elas são o meu ponto fraco. – Scott suspira enquanto coloca as suas mãos no bolso do seu jaleco branco. – Sempre foram.

– Oi, Sun. – O enfermeiro Luke coça a garganta de maneira completamente indiscreta para chamar a minha atenção. Percebo, pelo canto dos olhos, Scott o encarando de cima a baixo, seriamente.

– Oi, Luke. – Cumprimento o enfermeiro de cabelos curtos e escuros.

– Você vai sair conosco depois do trabalho para comemorar a aposentadoria da enfermeira Page? – E eu noto que Luke está apertando firmemente a prancheta com algumas das fichas dos seus pacientes. Ele sempre faz isso quando está ansioso.

– Vou sim. No Wells? – Pergunto, apertando os olhos enquanto tento me lembrar do combinado. Para o meu alívio, Luke balança a cabeça em afirmação. – Ótimo, vejo você lá.

– Eu estava pensando se você não quer uma carona até...

Desvio a minha atenção ao bip que está vibrando em meu bolso. Ao analisá-lo, percebo que não é exatamente uma chamada urgente, mas significa que eu devo ir o mais rápido possível ao quarto 470.

– Preciso ir. – Comento, apressada. – Encontro você lá, Luke. – É tudo o que eu digo antes de finalmente voltar a caminhar.

E eu estranhamente vejo um sorriso vitorioso nascer nos lábios de Scott, substituindo completamente a expressão dura que antes tomava conta do seu rosto.

Flores para SolOnde histórias criam vida. Descubra agora