CAPÍTULO 1

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Eu estava diante dele, o rei com sua coroa de pedra, aquele que havia devorado seu próprio povo, o rei canibal. Ele estava de joelhos, implorando com palavras que não eram da língua humana, me sentia atordoada, incapaz de compreender o que o rei clamava, enquanto o ar ao nosso redor parecia se encher com a agonia de séculos.

Ele chorava e suplicava, suas mãos juntas, os joelhos bateram no chão enquanto seu corpo se curvava, o nariz roçando o chão manchado com marcas de sangue e urina. Eu permanecia imóvel, firme em pé ao lado de um guerreiro de armadura pesada, cujo olhar fixo nutria uma tensão. O rei ergueu a cabeça, seus olhos pesados encontrando os meus, seu semblante marcado pela decadência, marcado pelo peso do tempo e pelo peso da coroa, uma aura de desespero e loucura.

Uma mulher passou por mim como um sussurro, ajoelhou-se e beijou o rei canibal nos lábios, tão suave e rápido quanto uma brisa leve, ela parecia ser o próprio vento, um fantasma de tempos passados. Não pude impedi-la.

O guerreiro ao meu lado virou-se, sua espada brandiu tão rápido quanto um piscar de olhos, e a cabeça do rei com sua coroa de pedra rolou pelo chão, seu sangue jorrando em arcos grotescos, manchando o mármore do palácio com uma cor pungente. Seu corpo ainda estava ajoelhado, agora apenas espirrando sangue.

E então, tudo começou a se transformar em neblina, desvanecendo diante dos meus olhos. O rei derreteu em fumaça e desapareceu, deixando para trás um vazio gélido. O guerreiro se desfez pelo ar, seu corpo se envolveu em névoa como se nunca tivesse existido. De repente, não havia mais ninguém ao meu redor, e tudo mergulhou em uma nuvem cinza e turva, o próprio mundo desaparecendo diante de mim.

Um sonho? talvez sim, agora eu não passo de uma consciência sem forma no vasto cinza. No meio daquela névoa, comecei a sentir uma mudança. O cheiro de sangue e decadência foi substituído por um aroma fresco e terroso. A umidade na minha pele mudou de espessa e pegajosa para algo mais leve e natural. A névoa se dissipou por completo, dando lugar a uma luz suave e filtrada. No fim acho que foi sim apenas um sonho. 

Quase imperceptível.


Um leve estímulo neural...


Quase inaudível, um som surge lentamente ganhando forma até que o estridente canto de um grilo ecoa pelo canal do meu ouvido, entrando na minha consciência. O som intermitente desperta todos os meus sentidos, ainda de olhos fechados, sinto a suavidade da grama úmida sob meus dedos, o frescor do chão molhado nas minhas costas e os raios de sol filtrados pelas folhas das árvores acariciando meu rosto. A natureza ganha vida e mais uma vez a estridulação do inseto retorna, fui envolvida pelos aromas sutis de ervas, flores e terra um perfume que só se encontra nos recantos mais selvagens da natureza.

Aos poucos abri meus olhos e tudo era um contraste de luz e sombra. A claridade do dia invadiu minha visão, me deixando momentaneamente atordoada Incapaz de decifrar as formas e cores difusas diante de mim, como se tivesse passado uma eternidade com os olhos fechados , me apoiando nos braços me sentei na grama macia. Árvores se erguiam em todas as direções, deixando cair suas folhas ao vento. Algumas eram altas e esguias, outras mais robustas e enrugadas. Enquanto eu absorvia essa paisagem desconhecida, uma dúvida surgiu em minha mente: o que teria acontecido? Como teria chegado àquele lugar? E o mais importante, onde exatamente eu estava?

Me levantei com o corpo ainda pesado, procurei na paisagem por algum sinal familiar, uma dica que pudesse apontar o caminho certo, mas tudo ao meu redor era desconhecido. A vegetação tinha uma beleza natural, porém de uma forma que eu não conseguia reconhecer. Cada folha, cada árvore parecia comum, mas ao mesmo tempo singular, como se pertencessem a um mundo paralelo que eu não compreendia. Meu coração começou a bater mais rápido e um aperto se formou em minha garganta.

A Coroa de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora