CAPÍTULO 3

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Longe o suficiente, meu corpo ainda estava tremendo e me encostei em uma árvore. A adrenalina à flor da pele descontrolava minhas mãos, que não paravam de tremer. Relutante, dei um grito, soltando todo o ar do meu pulmão, arranhando o fundo da garganta com a intensidade da vibração. O som descarregou todo o turbilhão da minha cabeça e relaxou meus nervos. Eu senti a morte me dar um aperto de mão e seguir em frente. Respirando acelerado, quase sem piscar e suando por todos os poros do corpo, a sensação de fraqueza e exposição ao mundo inteiro está sendo uma companhia incômoda, uma confusão estonteante, como se um soco cruzado tivesse acertado minha têmpora. O que fazer naquela situação? Este mundo era pior do que eu imaginava. Em um segundo, você era o caçador e, no outro, você era presa, e eu deveria me preparar se quisesse sobreviver. O cheiro do hálito estava preso em meu nariz. No meio deste choque, do outro lado, ao longe, em uma das pontas do lago, apareceu um vulto em forma bípede se esgueirando pelas árvores. Talvez seja alguém, talvez possa ajudar. "Ei, ei, ESPERA...", falei, mesmo que ninguém fosse capaz de ouvir. Outra pessoa, alguém capaz de me ajudar. Se isso for verdade, eu não estou sozinha neste mundo.

Uma fagulha acendeu dentro de mim e logo disparei em direção ao outro lado do lago. Não tive tempo para me recuperar; não podia perder a chance de não estar sozinha. A silhueta ficava mais nítida na medida em que me aproximava. Os pássaros que gralhavam pousaram na beira do lago e voltaram a se alimentar dos pequenos animais terrestres. Fiz a volta no lago correndo, tentando não perder a silhueta de vista. Por vezes, dava uma rápida olhada ao meu redor para não ser pega desprevenida. Corri para as árvores e tentei gritar algo, mas minha voz não saiu da minha boca. Já próximo o suficiente, pude perceber que a forma se tratava de uma pessoa, que ficava caminhando de árvore em árvore de uma forma não muito despercebida. A silhueta parecia não notar a minha presença, indo serpenteando as árvores na beira do lago. Fui me aproximando cada vez mais e, entre uma árvore e outra, o vulto sumia e aparecia novamente, sumia e aparecia, até que não vi mais nada além de árvores. Será que eu estava ficando louca? Será que era tudo obra do meu cérebro, criando uma pessoa imaginária para me acalmar e trazer conforto? Quase não pude acreditar, aos poucos e continuando indo em frente. Num súbito movimento, vindo por detrás de uma árvore, surge uma garota com uma lança improvisada de um galho com a ponta mal afiada, de cabelos pretos e lisos, o corpo suado e sujo de folhas e manchas de terra, totalmente nua da mesma forma em que eu vim parar neste mundo.

- PARE AÍ MESMO!- grita a mulher, empunhando a lança e ficando semi-coberta pela árvore, a lança improvisada apontando para minha garganta. Levantei os braços automaticamente para mostrar que eu não tinha nada, dei um passo para trás e fiquei parada, olhando para a lança... Parecia que eu não conseguia sair de uma situação complicada sem entrar em outra.

-Eu preciso de ajuda... Eu não vou te fazer mal.- Minha voz saiu trêmula e eu me senti vulnerável novamente.

-Quem é você?- diz a mulher, sendo impositiva e balançando a lança. Seus olhos estavam fixos nos meus, me analisando nos mínimos detalhes para saber se eu estaria mentindo ou não.

-Pura... Pur... Pura, me chamo Pura.- Por algum motivo, ao lembrar meu nome, só pude pensar na cor purpura. Foi o que consegui dizer, foi o que saiu da minha boca. Fiquei confusa e estranha, mas não tive tempo de pensar muito.

Continuei: -Só quero conversar, apenas conversar...- Tentei falar de uma forma que não transmitisse nervosismo, mas acho que não consegui disfarçar que meus dedos tremiam, e dei mais um pequeno passo para trás.

-Fique aí, não se mova.- Ela deu uma breve pausa, enquanto seus olhos foram da esquerda para a direita, procurando e formando uma pergunta repentina. "Por que você... A gente... haaa..." - Um leve grito no final da frase saiu automaticamente, como se fosse para aliviar o estresse acumulado. Ela, apesar de estar com a lança na mão e ter o controle da situação, não parecia estar tranquila, mas se esforçava para parecer firme. -Por que estamos nuas e onde estamos e por que você estava me seguindo? - As palavras soam tentando passar firmeza, mas tremulam, e eu pude sentir nela a mesma fraqueza que me acompanhava.

-Eu estava te seguindo porque não tive escolha. Você é a primeira pessoa que eu encontrei aqui, pensei que poderia me ajudar.- Consegui falar de uma forma natural, mas o fato de estar desarmada me fez sentir inútil. Neste momento, eu já deveria ter uma arma para me defender, mas acho que não fui esperta o suficiente, e isso foi mais uma lição que aprendi tarde demais.

-Calma, quem é você? Qual seu nome? Baixe esta coisa, eu não vou te fazer mal.- Ousei levar a mão calmamente para a ponta da lança.

-Não se atreva.- Ela me disse, levantando um pouco mais o cotovelo, como se estivesse pronta para me espetar.

Por um momento, vi seus olhos percorrerem meu corpo de cima para baixo e para cima de novo. Quase pude ler seus pensamentos... Eu sabia que não era uma modelo, mas tinha uma boa saúde e uma aparência corporal bonita. Ao perceber os olhos castanhos claros me avaliando, levei minha outra mão ao meio das minhas pernas e me curvei um pouco, encostando um joelho no outro, de forma automática e natural de vergonha. Provavelmente, minhas bochechas ficaram coradas, mas eu não tinha o que fazer.

-Ei, qual é, eu não tenho nada comigo. Abaixe essa coisa. Acho que estou na mesma situação que você, ou até pior. Eu acordei aqui há algumas horas sem nada nem ninguém, e agora há pouco quase morri comida por uma espécie de javali gigante. Então, vi você ao longe, e estamos... Não sei onde estamos...-Terminei falando palavra por palavra devagar e baixo.

A moça parece refletir, e seu rosto aos poucos já não parece tão hostil. Lentamente, ela foi saindo de trás da árvore, ainda empunhando a lança. Ao sair completamente de trás da árvore, pude ver seu corpo, e sem perceber estava analisando ela de cima a baixo, e me impressionei. Uma moça magra com uma cintura fina e a barriga com algumas linhas delineando levemente os músculos do abdômen, as pernas fortes, um maxilar desenhado e um olhar sensual. Não havia nada de mais nem de menos, mas era linda. O calor certamente havia feito minhas bochechas corarem mais do que já estavam.

-Lana, me chame de Lana, é o que me lembro. E por que deveria confiar em você?- Falou a moça com uma voz mais suave e calma, enquanto voltava para trás da árvore, mostrando o mesmo tipo de vergonha que pairava entre nós.

Como você pode ver, não tenho nada a esconder e nem para onde ir, e pelo visto só temos nós duas e os animais por perto, e eles não são nada amigáveis." Minha voz já estava calma, e a respiração estava normal. "Lana, há quanto tempo você está aqui?" Perguntei, indo um pouco para perto da árvore enquanto ainda era observada cautelosamente.

-Não sei direito, talvez umas cinco, seis, sete horas, e não me lembro de nada antes disso.- Lana respondeu, terminando com um olhar de tristeza.

-Eu também acordei não me lembrando de nada, e não sei bem o que fazer. Consegui subir no topo de uma colina, e há apenas árvores ao nosso redor."

-Pois é, eu já imaginava isso...- Diz Lana com os olhos de quem esperava uma resposta melhor ou ao menos diferente do que ela já sabia.

-O que você p...- Interrompi a fala quando, num flash, um animal avançou em nossa direção.

-O que houve?- Em um rápido movimento, Lana tenta olhar para trás por cima do ombro, mas já era tarde.

Estava perto demais, não estávamos em posição de nos defender, não estávamos preparadas. Ali era o território deles, das bestas selvagens.

A Coroa de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora