Complexo - Kelmiro

Menino do Rio

Enquanto Ursão e Latrell tinham a expressão mais apavorada possível no rosto, Kelvin e Berenice olhavam confusos e Irene tinha uma sombra de sarcasmo em seu semblante.

Kelvin se perguntava quem era aquela mulher.

– Irene? Mas... você... como pode? Eu vi... você- você tava...

– Morta? Enterrada? No sepulcro? Sim, Ramiro, se você me deixar entrar eu explico tudo.

Latrell olha para o patrão que acena afirmativamente, demonstrando que a mulher poderia adentrar o local.

A forma que ela olhou Kelvin e Berenice dos pés à cabeça fez os dois amigos se sentirem despidos perante tal olhar.

– E esses aí? Quem são?

Ursão olhou para Kelvin e o loiro viu em seus olhos que o maior também estava assustado.

"Pelo amor de Deus, quem é essa mulher que deixa até o dono do morro se tremendo?" — Era apenas isso que Kelvin pensava

– É meu namorado. E essa aí é a irmã dele, vieram almoçar comigo. — Ramiro disse rápido, abraçando Kelvin de lado, passando a mão por sua cintura.

Irene os olhou por alguns segundos e pareceu acreditar, pois, apenas se sentou no sofá e esperou que todos fizessem o mesmo.

Todos se sentaram, apreensivos com o que a tal mulher tinha a dizer. Bom, nem todos tão apreensivos: Kelvin lutava contra sua própria musculatura para que não esboçasse todo sorriso que queria naquele momento.

Namorado?

– Bom, vou iniciar, não aguento mais essa cara de espanto de vocês. — A mulher começou. — Já que eu não conheço seu namorado e sua cunhada, irei me apresentar: sou Irene do Carmo, ou melhor, Irene La Selva. Esposa verdadeira de Antonio La Selva. Sou filha de Salomão e Gertrudes do Carmo, os famosos Bonnie e Clyde do tráfico, antigos donos da Rocinha, Vidigal e também comandavam a Cidade de Deus. Era um império completo. Hoje a Rocinha e o Vidigal são as duas favelas mais famosas do Rio de Janeiro, isso é graças aos meus pais. Eu tive um irmão também, Ricardo do Carmo, o Saló, ele foi um dos homens mais inteligentes que eu já conheci. — a mulher respirou pesado ao falar do amado irmão — mas eu, cometi o fatídico e clichê erro: me apaixonei por um rival, o Antonio. Ele assumiu o chapadão muito novo. Lembro que antes dele ser Soja, chamávamos de Pedro Segundo, por ter tido que pegar responsabilidade muito cedo, devido a prisão e assassinato de seu pai.

Kelvin se perguntava se ele deveria estar ouvindo aquela história toda, já Berenice agia como se estivesse assistindo uma série criminal.

– Nos conhecemos em um baile de natal. Eu havia brigado com meu pai, tinha sido uma discussão feia e eu escolhi ir pra um baile de outro lugar, mas eu não sabia que era facção rival. Soja já estava comandando o Chapadão, tínhamos entre 18 e 19 anos. Estava tudo indo muito bem, até que uma menina que eu briguei, por ter derrubado cerveja em mim, me reconheceu como filha de Bonnie e Clyde, e aí instaurou um caos. Tive umas 3 armas apontadas diretamente na minha cabeça, mas o Antonio me defendeu, não deixou que fizessem nada comigo. Na época eu cri que ele tinha feito isso por ser um bom homem, ou por ter se solidarizado comigo, mais tarde, ele me disse que havia feito aquilo pois tinha se apaixonado assim que me viu. Hoje eu vejo que a realidade é que ele viu em mim, a oportunidade de invadir as duas maiores potências do tráfico, e não há um segundo sequer que eu não me arrependa de ter sido a ponte para ele. — Latrell oferece um lenço para que a mulher secasse as lágrimas que já caíam — Desde o dia do baile, eu não voltei pra casa, fui morar com ele, nem voltei em casa pra buscar minhas coisas, ele comprou tudo novo, me tratou como uma rainha. Eu engravidei do Daniel e a gente casou assim que ele nasceu. Ele já tinha o Caio, que é filho dele com aquela desgraçada da Agatha, que tinha fugido e deixado o garoto sozinho com o pai. O moleque vivia jogado na rua, pequenininho já estava envolvido nas drogas. Depois veio a Petra, mas desde que ela nasceu, eu sabia que ela seria diferente. — A mulher sentia que poderia engasgar a qualquer monento. — Ramiro, você me traz um copo d'água?