Fantasmas

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No dia seguinte, Kıvılcım acordou nauseada como se estivesse num barco no Mediterrâneo em meio a uma grande tempestade. Em suas duas primeiras gravidezes, o enjoo se fez presente constantemente, como se Doğa e Çimen não quisessem deixar a mãe esquecer de que estavam ali, dentro dela. Sua impressão era de que os anos que se passaram haviam potencializado as náuseas típicas de sua condição.

A morena aproveitou o sábado preguiçoso para fazer as compras que necessitava. Na farmácia, comprou os tais remédios que prometiam eliminar a náusea e os suplementos necessários para que a gravidez avançasse de modo tranquilo. Andando um pouco, parou em frente a uma loja de infantes, e quando caiu em seus sentidos já estava lá dentro. Analisou cuidadosamente roupas de recém-nascido de todas as cores, e tudo aquilo lhe pareceu nostálgico. Passou os dedos pelo tecido macio de um macacão rosa, e isso a transportou para os tempos em que era apenas uma jovem de vinte anos, recém-tornada adulta, e carregava a filha Doğa dentro de si. Ela era tão jovem, havia apenas vinte anos e sua certidão de nascimento. Sua primogênita havia lhe acompanhado, dentro de seu ventre, em muitas aulas da faculdade, e Kıvılcım desconfiou que assistir aulas ainda como um feto teria sido um dos motivos para que a filha crescesse sendo tão inteligente. Doğa havia sido uma criança muito obediente e feliz, mas isso não a impediu de assumir o mesmo destino da mãe. Felizmente, Kıvılcım acreditava que os erros de Doğa a tornariam tão esperta quanto a própria mãe. Não existe nenhuma professora melhor que a experiência.

Depois, encontrou um pequeno vestidinho vermelho, tal qual um que havia comprado para Çimen em seus primeiros meses de vida. Sua, até então, caçula, que já nascera com uma personalidade forte, determinada a conquistar tudo aquilo que almejava. Çimen, que veio ao mundo cerca de três anos após o nascimento de Doğa, fora recebida por uma Kıvılcım ainda muito jovem, mas que já trabalhava e possuía certo conhecimento na arte da maternidade. Ainda assim, Çimen protagonizou muitas das primeiras experiências que Kıvılcım teve como mãe. Ela não havia sido uma criança exatamente levada, mas estava longe de carregar a serenidade da irmã mais velha.

Enfim, a mulher deu de cara com um par de sapatinhos brancos. Eram tão pequenos que cabiam os dois na palma da mão. Kıvılcım observou aqueles sapatos, feitos para pés minúsculos, e posicionou instintivamente a mão acima do ventre. Aquele ser dentro dela era seu grande mistério. Como será que cresceria, e que personalidade tornaria a ter? Seria impossível adivinhar. Imaginou Ömer como pai, segurando seu filho recém-nascido, e sentiu os olhos embotarem de lágrimas. Teria o bebê os olhos da mãe ou do pai? Agora era apenas um feto, não deveria nem ter olhos. Mas em poucas semanas, cresceriam olhos, mãos e pés, cabelos. Será que se pareceria com a família do pai? Por Allah! Kıvılcım esperava definitivamente que não. Se fosse para se parecer com alguém, que fosse com Ömer e apenas com ele.

Lembrou-se da conversa que haviam tido no dia anterior, em que ela mesma disse que os genes das Arslan se sobressaíam sobre os dos Ünal. Ela esperava muito que sim. Os seus se sobressaíram até mesmo sobre os de Kayhan, e por isso ela agradecia. Resolveu levar os sapatos e dá-los de presente a Ömer, de forma que ele mesmo tiraria suas conclusões e entenderia o recado. Ela ainda estava em negação e não sabia se era capaz de contá-lo a notícia em voz alta.

Indo para o caixa, deu de cara com Görkem, que comprara um par de sapatinhos parecido com o que ela mesma estava segurando. Demorou um pouco a reconhecê-la sem o hijab, embora a amiga de Ömer tenha reconhecido Kıvılcım imediatamente. Ambas se cumprimentaram cordialmente, mas Görkem estava com um pouco de pressa e logo se despediu. Disse algo sobre o presente ser para uma sobrinha, e que ela estava atrasada para encontrar sua irmã. Kıvılcım não entrou em muitos detalhes e disse que os sapatos eram para sua neta Cemre. Até o presente momento, nem ela mesma estava aceitando a realidade. Mentir não deixava de ser um conforto, por mais que não fosse funcionar por muito tempo. Saiu da loja com seus sapatinhos brancos na sacola. Aquele era o primeiro presente para o bebê que havia gerado com Ömer, resultado de tanto amor.

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