"Quando Kıvılcım abriu os olhos, não reconheceu onde estava de primeira. O teto lhe era estranho, as paredes mais ainda. Aquele não era o cheiro de seu travesseiro e aquela não era sua cama. Pensou logo em Defne e levantou-se num pulo. Onde estaria sua filha?
Os raios de sol entravam pela janela do quarto de hospital. As cores ao seu redor pareciam mais vivas e o ar era diferente, como se estivesse vivendo na névoa pesada de um sonho. Na poltrona ao lado de sua cama, estava a mochila cor-de-rosa de Defne e sua bolsa preta. A morena não se lembrava de como havia chegado até ali. Sua cabeça estava latejando e ela sentia um tipo estranho de cólica. Quando começou a entrar em pânico se perguntando aonde sua filha estava, um médico entrou no quarto segurando uma prancheta.
- Senhora Kıvılcım, que bom que acordou. - O médico, que parecia jovem demais para a profissão, sorriu fracamente. - Estamos lhe dando mais uma bolsa de soro na veia para combater seu quadro de desidratação. Seu marido lhe trouxe para cá a tempo de que a desidratação piorasse.
- Desidratação? - Ela perguntou, desnorteada. - De que marido o senhor está falando? Eu não sou casada.
- Aquele homem do lado de fora disse que é seu marido. - Ele olhou em pânico para Kıvılcım e apontou para a janela do quarto, onde Ömer comprava um refrigerante para Defne na máquina de lanches do corredor. - A senhora por acaso bateu a cabeça? Não estava esperando perda de memória.
- Engraçadinho. Ele não é mais meu marido. - Ela revirou os olhos. - Maldito o tempo em que ele foi, aliás.
- Ele me parece ser um homem muito simpático. - O médico observou. - Parece ser um bom pai também.
- A única coisa boa que ele me trouxe foi a minha filha. - Kıvılcım sorriu sarcasticamente para o médico. - E até hoje me dá problemas por causa disso.
- Acredito que ela não seja mais a única coisa boa. - O médico se animou. - Quando ele trouxe a senhora até aqui, a senhora estava desacordada e realizamos alguns exames de sangue para descartar doenças. Sim, a senhora tem um quadro simples de desidratação, mas também encontramos outra coisa...
O médico entregou um papel para Kıvılcım com os resultados dos exames de sangue. Ela apertou os olhos para enxergar os números miúdos no papel, mas pareciam ilegíveis, como pequenos hieróglifos digitados.
- Não entendo... não consigo enxergar. Que estranho, nunca precisei de óculos para enxergar de perto. - Ela murmurou, tentanto entender o que estava escrito no papel. - É muito grave, doutor? Tenho certeza que é um problema com adenoides que minha irmã mencionou.
- Francamente, a senhora acha mesmo que está com problemas com adenoides? - O médico franziu as sobrancelhas.
- Não vou à academia, minha alimentação não é das melhores, vou fazer quarenta e cinco anos daqui a alguns meses... O que mais poderia ser? - Ela riu sozinha.
- Senhora Kıvılcım, a senhora está grávida!"
Kıvılcım se levantou num pulo. Olhou ao redor. Estava em casa, em seu quarto, em sua cama. Os cheiros eram os mesmos. Estava escuro lá fora. Não havia sinal de hospital, médico ou Ömer. Não havia Defne. Não havia exame de gravidez. Estava sozinha. Era tudo um sonho. Sentou-se na cama e esfregou os olhos, respirando aliviada. Que horas seriam? Não havia barulho na rua, então já era tarde. O celular estava ao lado da cama, e ela estendeu a mão para pescá-lo na mesa de cabeceira.
3:27 da manhã.
Ela entrou em pânico.
Onde estaria Defne?
Kıvılcım saiu do quarto e foi em direção ao quarto da filha, que estava com a porta fechada. Abriu-a devagar e encontrou a menina dormindo num sono profundo. Respirou aliviada, sentindo o coração de mãe voltar a bater numa velocidade considerada normal. Olhou para a porta no final do corredor.
Sua mãe havia voltado para casa na noite anterior?
Então, foi em direção ao quarto da mãe, que estava com a porta entreaberta. Sönmez também estava dormindo, roncando suavemente. Surgiu então, a terceira dúvida.
Onde estaria Ömer?
Kıvılcım voltou ao seu próprio quarto e desbloqueou o celular. Ömer havia mandado uma mensagem de texto.
Acredito que você tenha desmaiado de cansaço. Fiquei cuidando de Defne até sua mãe chegar e fui embora. Quando acordar, me ligue.
Fiquei preocupado.
10:50p.m.Kıvılcım sorriu fracamente ao ver a mensagem. Cogitou ligar para o ex-marido, até que viu o horário e imaginou que estivesse dormindo. Mas o sonho permanecia em sua mente, e Kıvılcım sabia que não conseguiria dormir se não esclarecesse as coisas. O telefone tocou duas vezes até Ömer atender.
- Kıvılcım. - Ele falou com a voz rouca. - Você está bem?
- Estou. Talvez esteja um pouco atordoada. Tive um sonho estranho. - Ela continuou. - Desculpe. Você estava dormindo? Acho que te acordei.
- Não consegui dormir. - Ömer admitiu. - Não enquanto você não me retornasse. Sabe, por mais que as coisas não tenham dado certo entre nós, eu ainda me preocupo com você, Kıvılcım.
- Ömer... Desculpe por ser tão ríspida. - A morena começou. - Você é um bom homem. Só é... presente demais. Não estou acostumada. Quando me divorciei pela primeira vez, as meninas eram menores que Defne. Fui mãe solteira a vida inteira, e agora tenho alguém que quer escolher escolas diferentes e caminhos diferentes e... tudo isso é difícil para mim.
- Às vezes você exagera. - Ele riu sozinho do outro lado da linha. - Espero que entenda meu lado também. Até algumas semanas atrás, eu nem sabia que era pai. Acredito que eu também esteja um pouco... afobado demais.
- É difícil lidar com tudo sozinha durante a vida inteira e agora precisar dividir responsabilidades. - Ela disse. - Não somos mais um casal, mas é diferente de... - Kıvılcım não terminou a frase.
- Diferente do Kayhan, você quer dizer. - Ömer observou.
- Você é muito presente. - Ela sorriu. - Isso é bom. Eu só preciso me acostumar.
- Espero que possamos ao menos ser amigos. - Ele ofereceu. - Pelo bem de Defne.
- Espero que sim. Eu acho que posso lidar com a Defne indo para a escola que você escolheu. Não é uma decisão ruim. - Kıvılcım declarou. - Só preciso que você dê uma maneirada nos jantares de família.
- Você não vai me perdoar nunca mais por causa disso? - Ele gargalhou com a observação, embora continuasse preocupado com a insistência da ex-esposa com o assunto.
- Posso pensar no seu caso. - Ela provocou. - Boa noite, Ömer.
- Boa noite, Kıvılcım. - Ele se despediu. - Que fique tudo no passado.
A sensação de conversar com Ömer de madrugada era estranha para Kıvılcım. Ao sair na varanda para tomar ar, ela não conseguia parar de pensar nas noites que passavam juntos há meia década. Quantas vezes ela não havia adormecido no peito nu daquele homem que insistia em continuar em sua vida, mesmo depois de todas as insistências para que ele se afastasse? Era como se cada fiasco entre eles servisse apenas para os unir cada vez mais.
Mas Ömer era complicado, e Kıvılcım sabia que, na idade que estava, não tinha tempo para complicações. Depois de todo o estresse com a bolha no cérebro de Ömer e o nascimento de Defne, Kıvılcım estava cansada de jogar aquele xadrez mental. Precisava respirar longe dele.
Kıvılcım voltou para a cama pensativa. Lembrou-se do sonho bizarro que tivera, e decidiu voltar a dormir para se esquecer daquilo.
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Amores Paralelos
FanfictionÖmer e Kıvılcım enfrentaram muitos obstáculos antes de seu reencontro. No entanto, uma situação do passado volta para abalar o relacionamento de ambos. O tempo cura, mas também destrói. O que será que o futuro reserva aos dois? Pós-s2b21.