Memórias - Verdades Ditas

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Lembro que era uma tarde incomum, e eu tinha voltado mais cedo do trabalho. Ao chegar em casa, tomei um banho e fui cozinhar o nosso jantar. Enquanto preparava a refeição, me juntei a Shigure, que estava sentado lendo seu jornal na sala. Peguei um dos poucos livros dele que não era um romance erótico e comecei a ler. Após alguns minutos senti olhares sobre mim. Suspirei pesadamente e, antes que pudesse virar a página do livro, Shigure se pronunciou.

— O Kyo foi buscar a Tohru no trabalho, o Yuki ainda estava preso no conselho estudantil e não pôde ir. – Disse Shigure, com um meio sorriso no rosto.

 — Por isso que está tão calmo. – Virei a página do livro.

De relance, pude ver Shigure deixando seu jornal de lado na mesa; ele me olhava com seu meio sorriso no rosto. — Por que não conta para ele?

Olhei para ele surpresa. Shigure tinha essa habilidade esquisita e inconveniente de saber as coisas que tentamos esconder dos outros e até de nós mesmos. Às vezes chegava a me questionar se ele realmente era um dos doze signos ou se era um Deus onisciente. Nessa altura do campeonato, não tinha por que não ser sincera, ele já sabia o que eu sentia pelo Kyo.

 — Não é necessário. – Falei friamente, ainda tentando voltar a ler.

— Por que você não o rouba para você? – Shigure falou ainda sorrindo.

Instantaneamente, senti meu sangue ferver, mas estava focada em não cair em suas provocações. Suspirei pesadamente.

— Não é assim que funciona. 

— Então, o que você planeja fazer?

Fechei o livro com força, ainda tentando me controlar.

— Vou manter distância; ele gosta da Tohru, não tem por que eu fazer isso sabendo do resultado.

— Covarde. - O interrompi.

— E se ele tem, se ele tem alguma chance com ela, eu quero que ele aproveite e se dedique a conquistá-la! – Eu disse quase num grito.

Shigure ficou em silêncio por um instante.

— S/N, você tem inveja dela?

Cerrei os dentes,  já estava quase explodindo.

— Tenho, mas toda vez que sinto inveja dela, lembro o quanto ela se esforça para ser do jeito que é. Me recuso a sentir inveja da Tohru sabendo das lutas que ela enfrenta; eu, no lugar dela, não aguentaria.

— Ah, entendi, então você se acha insuficiente, né?

Ele não só cutucou a ferida como saiu rompendo-a novamente.

— Shigure. - Eu disse de cabeça baixa e com punhos cerrados.

— Então você prefere acreditar que ela é a melhor opção para ele, já que você se sente inferior a ela. – Ele aumentou o tom de voz.

— Shigure! – Levantei a cabeça e soltei um olhar furioso.

— Mas quer saber, você tem razão, é melhor que ela fique com ele mesmo, até porque ela é bem mais competente que você.

— Eu sou capaz! – Bati a palma da minha mão na mesa. — Eu sei que posso fazer isso,  sei que se eu tivesse uma chance, a menor que fosse, cuidaria dele melhor do que ninguém! – A voz começou a embargar; o que era um grito furioso se tornava doloroso, e as lágrimas começaram a cair. — Mas não posso fechar os olhos para a realidade; quando ele olha para ela e sorri, mesmo que eu não seja o motivo dessa felicidade, não posso deixar de torcer por ele! E vou continuar fazendo isso, e se um dia eu tiver oportunidade, pode ter certeza, certeza que eu vou agarrá-la de uma vez! - Disse ainda entre lágrimas.

Em silêncio, Shigure caminhou até mim, sentou ao meu lado e colocou sua mão na minha cabeça em tentativa de consolo.

— Você se esforça do seu jeito, então não se compare.

Suas palavras me confortaram. A verdade é que eu precisava desabafar sobre esse assunto, já que desde o início reprimi o que sinto. Shigure colocou  sua mão em minha cabeça e em silêncio por alguns minutos até que eu parasse de chorar.

— O que você fez para a senhorita Aikyo!? – Disse Yuki, que havia chegado junto a Kyo e Tohru.

Eu e Shigure engolimos o seco, não tínhamos notado quando chegaram.

— Tira a mão dela, cachorro maldito! – Disse Kyo.

— Tohruzinha, me ajuda! – Choramingou Shigure, que foi se proteger atrás da Tohru.

— Não envolva ela nisso! – Disseram os dois, que estavam prestes a bater em Shigure.

Aquela cena me fez ficar mais leve. Embora estivesse um pouco brava com a forma como Shigure lidou com a minha situação, resolvi ajudá-lo.

— Tá tudo bem, eu chorei porque a protagonista dele está vivendo um romance de personagem secundário. – Peguei o livro na mesa e mostrei aos dois.

— Então era isso, você é bem sensível quando se trata de livros e mangás de romance, S/n. – Disse Tohru, dando uma leve risada.

— Mas que droga, você fez eu me preocupar à toa. – Kyo disse vindo em direção a mim e colocando a mão na minha cabeça. Depois, passou reto para as escadas e subindo em direção ao seu quarto. Fiquei o observando.

— Senhorita Aikyo, você está cozinhando algo? – Yuki perguntou.

— A panela! – Corri para a cozinha ao me lembrar do jantar.

Eu sempre achei que ela era a pessoa ideal para estar ao lado dele. Então, mesmo gostando dele, jamais interferi quando estavam juntos ou sozinhos; queria que ele encontrasse a felicidade, mesmo que eu tivesse que me sacrificar para isso.

Inesperadamente seu (Fruits Basket)Onde histórias criam vida. Descubra agora