Memórias - Dia chuvoso

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Era um dia chuvoso; já tinha dado o horário de sairmos da aula. Naquele dia, Yuki estava ocupado com os afazeres do Conselho Estudantil. Hanajima e Uotani foram deixar Tohru no trabalho mais cedo, e eu fiquei ajudando a professora com as provas de inglês. Eu estava no corredor indo em direção à sala para pegar minha bolsa quando encontrei Kyo. Pensava que já tinha ido para casa, mas o peguei cochilando na cadeira perto da janela. Sorri involuntariamente e me aproximei sem fazer barulhos. Fiquei quieta, parada, o olhando por alguns segundos. Os cabelos ruivos me pareciam atraentes; queria tocar, mas sabia que se eu encostasse, ele sairia dali num pulo e me xingaria. Era uma pena; valorizava os momentos em silêncio porque às vezes não tinha paciência para sua personalidade exótica. Discutíamos muito, e eu não queria o acordar, mas precisava. Gentilmente, o balancei e chamei por seu nome.

— Anh? – Ele acordou um pouco perdido, passou a mão no seu rosto e bocejou. —Chuva maldita, que saco. -Ele não tinha forças nem para amaldiçoar o clima.

Pensei em gastar ele por sua situação, mas ele estava tão quietinho que não consegui fazer.

— Trouxe ao menos um guarda-chuva?

— Não, aquele velho do tempo não disse que ia chover hoje. – Disse bravo.

Dei uma leve risada.

— Acho que dá para eu te deixar em casa.

— Mas você só tem um guarda-chuva, cabeção.

— Podemos dividir. – Falei enquanto pegava minha bolsa e tirava meu guarda-chuva. Olhei para ele de relance e o vi corar levemente. Ele se levantou da cadeira e passou por mim.

— Não precisa, eu consigo chegar. – Ele saiu andando, e eu o segui até chegarmos à saída. Quando botamos o pé para fora, ele ficou fraco e se escorou na coluna do prédio.

— Não sei porque você quer fazer as coisas sozinho se precisa de ajuda. – Falei, abrindo o guarda-chuvas sobre a cabeça dele.

— Cuida da sua vida! – Disse ele irritado, mas logo derrotado pelo seu corpo fraco. Tomei coragem e entrelacei meu braço ao dele o fazendo ficar perto de mim e comecei a andar.

— Você tá doida?! As pessoas estão olhando! – Ele disse extremamente corado.

— Dá para você parar de gritar? Você não pode se molhar, e eu não quero me molhar. Essa é a melhor maneira, até porque eu tenho quase certeza que você vai cair se eu te deixar sozinho. – Eu estava claramente me aproveitando da situação dele. Não podia ficar tão perto assim normalmente, já que ele estranharia, mas aquela situação era uma oportunidade que eu não sabia se ia ter de novo.

— Sua cabeçuda! – Ele evitava contato, já que estava envergonhado.

— Ainda tem energia para brigar, gato idiota? – O provoquei. Ele apenas respirou fundo e não respondeu.

— Não vai se atrasar para o trabalho? – ele perguntou mais calmo.

— Não muito. – Eu disse com um meio sorriso no rosto. Não podia negar que estava gostando dos olhares e dos burburinhos.

Seguimos caminho por alguns minutos, mas a chuva só se intensificava. Olhei para Kyo, e ele não se aguentava em pé; era como se fosse cair a qualquer momento mesmo com a minha ajuda. Decidi então que seria melhor parar e esperar diminuir um pouco. Lembrei que não muito longe de onde nós estávamos havia um templo.

— Para onde estamos indo? -Kyo falou com os olhos quase fechando.

— Vamos ao Templo. -Estava começando a cogitar a ideia de levá-lo em minhas costas.

— Tá bom... -Dessa vez ele não lutou contra a ideia.

Ao chegarmos no templo, o ajudei a sentar, ele encostou na parede. Olhei para frente e vi uma máquina de bebidas. Rapidamente, corri até lá e peguei uma lata de café.

— Kyo. – Dei a lata de café para ele e me sentei ao seu lado. Ficamos em silêncio por alguns segundos.

— Eu sou patético, né? – Ele disse num tom de voz baixo, e estava com olhos semiabertos, era como se estivesse lutando para ficar acordado.

— Eu não te acho patético, é só uma condição.

— Uma condição patética que destruiu minha vida. De todos os signos, eu tinha que ser logo o do gato? – Ele se lamentou.

Abri minha bolsa, procurei uma toalhinha e comecei a secá-lo.

— Eu sempre gostei do signo do gato, ele sempre foi o mais sensato. – Eu disse secando enquanto passava a toalha em seu braço.

— Quem liga para isso? Eu odeio viver assim! – Ele disse de cabeça baixa.

Coloquei a toalha em seus cabelos e comecei a secá-los. Levantei seu rosto afim de secar alguns respingos e olhando em seus olhos que não conseguiram ficar mais abertos, eu o respondi.

— Eu ligo, eu ligo para o signo do gato, eu ligo para você, Kyo. -Tirei a toalha de seu rosto e voltei para onde estava. Deitei a cabeça dele em meu ombro direito, pude escutar um resmungo baixinho como "Você é maluca"; então o seu corpo, mesmo que ele tenha tomado um pouco de café, o venceu fazendo ele dormir.

Aproveitei o cansaço dele e fiquei fazendo carinho em seus cabelos. Era um poder inconveniente que atrapalhava sua rotina, mas eu nunca desgostei desse lado porque era ele e fazia parte dele. Enquanto estava sentada esperando a chuva passar ou acalmar um pouco, decidi mandar mensagens para minha chefe informando que eu iria me atrasar. Ela gentilmente disse que estava tudo bem e que entendia minha situação por conta da chuva. Imagina se ela soubesse que eu faltei para ficar ao lado de um garoto; ela surtaria de felicidade.

Passados alguns minutos, vi a chuva diminuir o volume, e logo o ruivo começou a se mexer. Ele levantou a cabeça bem devagar, abriu os olhos, e quando se deu conta de que ele dormiu em meu ombro, corou levemente. Ao ver carinha dele corada, não pude me conter e soltei uma leve risada.

— Ih, gatinho, está vermelho, por quê? – Continuei rindo.

Ele corou violentamente. — Cala boca, e não me chama de gatinho! – Disse ele irritado.

Continuei rindo, então ele se levantou e ajudou a me levantar.

— Que palhaçada! – Resmungou.

— Ah, qual é, ninguém viu. Não tem porque se preocupar,  você me odeia mesmo. – Dei de ombros já com a minha bolsa em mãos.

— É justamente por esse motivo. A gente se odeia; o que as pessoas pensariam se nos vissem juntos? – Ele me seguiu com guarda-chuvas em mão.

— E por que você se importa? A verdade é só uma, não é? E outra, é tão ruim assim as pessoas me verem com você? – Acabei me irritando.

Vi ele engolir as palavras, suspirei.

— Eu é quem deveria não gostar de ser visto com você, cenourinha. – Soltei no impulso.

— Como é que é?! – Ele soltou irritado.

E a partir dali, fomos o caminho inteiro para casa xingando um ao outro. Ao deixá-lo em frente à nossa casa, antes de subir as escadas enquanto segurava o meu guarda-chuva, ele disse:

— Obrigado, e sobre não querer ser visto com você, não é isso, é que eu não quero te causar problemas. – Ele se virou e subiu as escadas.

Dei um sorriso e segui meu caminho na chuva enquanto dava alguns pulinhos de felicidade. Naquele mesmo dia, quando eu cheguei em casa depois do trabalho, não vi ninguém na sala, e estava escura. Mas quando fui para a cozinha, encontrei Kyo colocando guioza e sopa na mesa.

— Ah, você chegou? A Tohru fez guioza para o jantar, mas como você passou boa parte do dia na chuva, eu decidi fazer sopa. Então, trate de tomar banho e não ficar doente, tá? Não quero te dever. – Ele disse e seguiu para o seu quarto.

Até aquele dia, Kyo não cozinhava; nenhum de nós sabia que ele cozinhava. Eu fiquei tão feliz de ver algo novo dele e ser a primeira pessoa de nós a presenciar e experimentar algo vindo dele, que tomei a decisão de não contar sobre essa habilidade aos outros; queria que só eu soubesse. A sopa estava deliciosa, mas eu sou suspeita para falar, já que gosto de tudo dele e sobre ele.

Inesperadamente seu (Fruits Basket)Onde histórias criam vida. Descubra agora