É gostar muito, muito.

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- Laurinha, vem cá.  A mamãe precisa conversar contigo.

- Mamãe,  hoje foi o meu primeiro dia de aulas.  Eu juro que não fiz nada.

- Não é isso, filha.  A propósito, como foi o teu dia?  Brincaste muito?

- Brinquei.  Com o Rafael e a Bia.

- Quem é Bia?

- É da minha sala e do Rafael.

- Então correu tudo bem?

- Sim,  mamãe.

- Mas não é sobre isso que eu quero falar.

- Então fala.

- Tu gostas do tio Rodolffo?

- Gosto.  Ele é bom para mim, e é papai do Rafael.

- E gostavas que ele fosse também teu papai?

- O meu papai é a estrelinha Miguel.

- Sim, mas há meninos que têem dois papais ou duas mamães.

- Explica.

- Eu vou explicar devagarinho para tu perceberes.

A mamãe morava nesta casa e era namorada do tio Rodolffo.   Sabes o que é namorada?

- Sei.  É gostar muito, muito.

Quando a mamãe era namorada do tio, tu já estavas na minha barriga.  Lembras-te quando eu expliquei como nascem os bébés?

- Sim.  O namorado põe uma sementinha na barriga da mamãe.

- Então,  o tio pôs uma sementinha na minha barriga e ficou o teu papai.

Depois a mamãe e o papai brigaram e eu fui embora para casa da tia Júlia.  Quando tu nasceste a mamãe casou com o Miguel e ele ficou a ser o teu outro pai.

- E o pai Rodolffo,  porque ele não estava contigo?

- Porque nós tínhamos brigado feio.
E a mamãe foi má e não contou que tu nasceste.  Ele não sabia.
A mamãe só contou quando ele veio aqui com o Rafael.

- E ele gostou de eu ser filha dele?

- Ele amou.  Ele não te trata bem?

- Sim, mas ele chama o Rafael de filho e eu não.

- Porque ele estava à espera que eu te contasse.  Tu entendeste tudo?

- Acho que sim.  Eu tenho dois pais.   O papai Rodolffo e o papai Miguel que virou uma estrelinha.

Eu tenho que chamar ele de pai?

- Só se tu quiseres.

- Então e o Rafael é meu mano?

- Sim.  O Rafael é teu mano.

- E ele pode vir aqui dormir comigo?

- Se ele quiser e o papai deixar, pode.

- Mamãe,  e o papai já não é mais teu namorado?

- Não filha.   Somos só amigos.

- Tá bom.  Posso ir brincar?

- Vai lá.  Daqui a pouco vamos jantar.

Juliette ficou aliviada.

Acho que ela entendeu tudo o que falei.  Vou ter que acompanhar a reação dela no primeiro encontro depois desta conversa.

Nem uma nem outra tocou mais no assunto até dormirem.

Laurinha teve uma noite bem agitada e a meio da noite Juliette levou-a para a sua cama.

Acordou de manhã e verificou que ela ardia em febre.  Foi buscar o termómetro e 39,5°.

Vestiu-a, enviou uma mensagem a Rodolffo pois ele ia buscá-la para deixar os dois na escola e seguiu para o hospital.

Retiraram sangue para análise,  fizeram Rx e mandaram aguardar os resultados.

Rodolffo viu a mensagem,  deixou Rafael no colégio e voou para o hospital.

Encontrou Juliette com a filha ao colo na sala de espera. 
Laurinha já tinha recebido medicação para baixar a febre mas não havia alteração.

- Como está?  O que aconteceu?

- Não sei.  Quando foi dormir estava bem.  Durante a noite teve pesadelos e de madrugada esta febre.
Ontem contei-lhe tudo.  Será que os pesadelos foram causados por isso.

- Como ela reagiu?

- Bem.  Não vi nenhuma reacção negativa.

- Deixa eu segurar nela.  Laurinha, vem ao papai.

Laurinha que estava de olhos fechados ao ouvir a voz dele, abriu os olhos.

- Papai, não briga mais com a mamãe, para ela não fugir.

Rodolffo apertou-a contra si e respondeu com lágrimas nos olhos.

- O papai nunca mais vai brigar e nunca mais deixa vocês irem embora.

Juliette sentiu um aperto no coração.  A culpa de ter fugido regressou e agora afectava a sua filha ao ponto desta adoecer.

A médica chamou-os para os informar que os exames não acusavam nada.  A febre pode ser psicológica disse.

- Ela passou por algum trauma?

- Ontem tive uma conversa séria com ela sobre o seu nascimento e uns problemas que tivemos.  Ela teve pesadelos durante a noite.

- Pode ter sido isso.  Entretanto a febre já está nos 38°.  Deve desaparecer nas próximas horas.  Se o quadro se mantiver terão que regressar cá.

- Obrigada doutora.

Rodolffo carregou a filha até ao carro de Juliette.

- Eu vou atrás de vocês.

Depois de colocarem Laurinha na cama, Juliette foi preparar-lhe o café enquanto Rodolffo ficou com ela.

- Papai,  não vais embora?

- Não.  O papai não vai embora.

Juliette regressou com uma bandeja de café da manhã.

- Quem é a princesinha da mamãe que vai comer tudo?

- Mamãe,  hoje não vou à escola?

- Não.   Hoje ficamos a descansar.

- E o Rafael?  Vai ficar sózinho?  E se os outros meninos lhe fizerem mal?

- Ninguém vai fazer mal ao Rafael.  A Bia está lá para defender ele.

- Se comeres tudo, o papai traz o Rafael para te ver no final da escola.

Laurinha comeu uma boa parte do café e por fim aconchegou-se para dormir.

- Vou fazer café para mim.  Já comeste?

- Não.  Assim que vi a mensagem, dei café ao Rafael e saí.
Vai que eu fico com ela até adormecer.

Juliette saiu, Rodolffo segurou a mão da filha que logo a apertou e assim ficaram alguns minutos até ela adormecer.



Escravo da saudadeOnde histórias criam vida. Descubra agora