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O choque da água gelada me despertou abruptamente, causando um engasgo repentino. O susto ecoou através de mim, como se tivessem acionado um alarme no meu corpo.
O goblin à minha frente riu sadicamente, segurando o balde vazio. Meus olhos percorreram o ambiente subterrâneo, aterrorizada, enquanto a ausência de Kian aumentava minha inquietação.
Ao tentar me erguer, uma dor esquecida irrompeu em meu flanco, arrancando de mim um grito agudo de agonia. Cada movimento era como um lembrete cruel da vulnerabilidade que me envolvia naquele momento desafiador.

- Se já acordou deve se levantar e trabalhar.- disse o goblin dando de ombros e seguindo para o que eu julgava ser outra sela.

Observo a cela ao meu redor, mergulhada na escuridão. O ar denso cheira a terra e pó, indicando que estou confinada em algum lugar subterrâneo. Meu vestido de festa, outrora deslumbrante, agora estava  impregnado de lama, uma lembrança visível da minha queda durante a fuga.
Mesmo assustada, mantenho a compostura diante do feérico, vestido inteiramente de preto, que silenciosamente se ergue sobre a grade de ferro aberta. Finjo que sua presença não me afeta, embora seus olhos azuis gelo, visíveis na escuridão, transmitam uma inesperada sensação de pena por mim.

- Você cheira a sangue.- sua voz saiu abafada por conta do lenço que cobria seu rosto.

Sinto o inconfundível cheiro metálico de sangue impregnando o ar ao meu redor, uma pista indelével do ferimento que ainda marca meu flanco. A flecha, agora parte de mim, permanece cravada, e ao tocar a área, mesmo cuidadosamente, consigo sentir a aspereza da ferida. O sangue, outrora líquido e rubro, agora está seco, formando uma crosta que atesta a passagem do tempo desde o confronto.
Observo com quando o feérico dos olhos gélidos dá um passo à frente, prestes a adentrar a cela.

- Não chegue perto!- procuro entre dentes fazendo-o parar.

Sinto uma mistura de determinação e dor quando coloco a mão sobre a ponta da flecha cravada em meu flanco. Com um movimento firme, quebro a ponta de metal da haste. Uma dor insuportável  irradia ao retirar a haste de madeira da flecha de meu flanco, urro de dor com a sensação de dor latente.
O silêncio é rompido pela intensificação do sangramento desenfreado após a retirada da flecha. A dor aguda persiste, porém tento conter o sangue com a mão, consciente da necessidade de tratar a ferida.
O feérico, com seus olhos gélidos ainda refletindo surpresa, parece momentaneamente desconcertado pela minha ação abrupta. Ignorando minha ordem de manter distância, ele se move com uma agilidade surpreendente e, contra minha resistência, me ergue com firmeza nos seus braços. A sensação de exaustão se apossa de mim, tornando-me incapaz de me erguer e caminhar sozinha. Cada fibra do meu ser parece pesar, como se o cansaço se infiltrasse até mesmo nos meus ossos. Tenho a certeza de que minha palidez habitual agora atinge um tom ainda mais cadavérico, revelando o esgotamento que me consome. A dependência dos braços do feérico torna-se não apenas uma necessidade física, mas também um reflexo visível da minha fragilidade.

- Irei tratar o seu ferimento, porém preciso que não comente com ninguém.- sussurrou em meu ouvido.

Em silêncio, concordo com a cabeça, resignando-me à situação, e me aquieto sobre os braços do feérico. No abraço firme do feérico, percebo que ele está se camuflando, desvanecendo-se sutilmente nas sombras que nos rodeiam. A confiança silenciosa na sua destreza nos movimentos acalma meus receios, enquanto continuamos a nos deslocar, envoltos na arte hábil de sua camuflagem.
A chegada à ala médica improvisada no lugar subterrâneo alivia momentaneamente minha exaustão. O feérico me coloca cuidadosamente no chão frio, onde percebo a textura áspera contra a minha pele. Ele se apressa em revirar caixotes, criando um cenário de expectativa enquanto busca algo que possa aliviar a dor persistente em meu flanco. O som abafado dos caixotes sendo movidos reverbera na sala, misturando-se ao ar tenso que nos envolve. Minha atenção está fixa no feérico, cuja busca determinada me deixa em conflito sobre confiar nele.

- Isto deve aliviar a dor por hora.- disse o feérico levantando um vidro sobre uma mão com uma meleca verde dentro e na outra mão uma bandagem.

O feérico se aproxima de mim, seu olhar atento foca no ferimento em meu flanco, e posso sentir a intensidade dos olhos azuis gelo examinando a lesão. A tensão no ar cresce enquanto aguardo qualquer indicação de sua avaliação, consciente de que o meu bem-estar está agora em suas mãos.

- Eu preciso que você...tire a roupa.

- Tudo bem.- Concordei meio sem forças.- Poderia abrir atrás para mim?

Sinto as mãos do feérico se apressando em abrir a parte de trás do meu vestido, revelando o ferimento em meu flanco. A frieza do ar atinge a pele exposta, me fazendo arrepiar de frio.

- Irei cuidar de seu ferimento e arranjarei algo melhor para você vestir.

Apesar da exposição involuntária dos meus seios ao abrir o vestido, percebo que o feérico está totalmente concentrado em cuidar do ferimento em meu flanco. Sua dedicação exclusiva à minha recuperação transmite uma sensação de conforto, fazendo com que a vulnerabilidade momentânea se sobreponha à necessidade de cuidados médicos imediatos.
Ao aplicar a pasta sobre meu flanco machucado, uma ardência imediata e insuportável toma conta de mim. Instintivamente, minha respiração se torna mais difícil, e me obrigo a reprimir qualquer grito de dor que ameace escapar, temendo ser descoberta no lugar subterrâneo. O feérico, percebendo meu desconforto, enfaixa cuidadosa e delicadamente meu flanco, trazendo um alívio gradual que contrabalança a agonia momentânea.
Ele se ergue e, após revirar outras caixas, encontra um vestido encardido, simples e modesto. O vestido simples sobressaía os seios com sua abertura em U no busto, seu comprimento ia até os tornozelos e as mangas compridas adicionavam uma camada de cobertura aos braços. A simplicidade do traje, apesar de encardido, conferia-lhe uma aura de funcionalidade, adaptando-se à realidade daquele lugar.
Com o apoio seguro de sua mão, permiti-me erguer do chão frio da ala médica improvisada. Sua presença tranquilizadora tornou-se mais evidente à medida que deslizei meu corpo para fora do vestido de festa, uma peça outrora imponente agora descartada. A troca para o vestido encardido trouxe consigo uma sensação tangível de humildade, suas mãos continuando a oferecer apoio durante esse momento de transição.
O tecido gasto e as mangas compridas do vestido novo se ajustaram ao meu corpo de forma simples, mas funcional.

- Obrigada.- disse retirando minha mão da sua.

- Gostaria de poder fazer mais por você, porém as algemas de pedra Abalone impedem a cura além do uso de qualquer poder, não que eu seja curandeiro.

- Onde eu estou?

- Karvalla, as profundas Minas de Karvalla.

Ao pronunciar o nome da Mina de Karvalla, o feérico diante de mim parecia ser envolto por uma sombra palpável. A menção da Mina desencadeou uma sensação de sufocamento, como se o ar ao redor tivesse ficado mais denso. Karvalla era reconhecida como um abismo subterrâneo interminável, um destino cruel para aqueles condenados por assassinatos, traição à coroa ou simplesmente para cidadãos que enfrentavam a amarga miséria.
Imaginava-se os confinados, perdidos nas profundezas, enfrentando condições desumanas. A menção de Karvalla ecoava não apenas como um local geográfico, mas como uma sentença de desespero e injustiça, ecoando através dos corredores sombrios daquele buraco subterrâneo sem fim.

Storm QueenOnde histórias criam vida. Descubra agora