A exaustão pesava em cada fibra do meu corpo, cada golpe da picareta ecoando como um lembrete da busca implacável por algo valioso.
Havia retirado apenas um misero cristal rosa no qual nem tive a oportunidade de admirar antes de ser arrancado da palma de minha mão por um guarda.
Ao olhar para Kian, coberto de suor e marcado pelo esforço, era evidente que a mina não havia sido generosa com ele também. O sol se despedindo no horizonte trazia consigo a escuridão iminente, encerrando nosso dia de trabalho árduo.
A ordem para interromper a mineração foi como um suspiro coletivo de alívio, enquanto deixávamos para trás as picaretas e pedras. Seguimos em direção ao túnel iluminado, ansiosos pela promessa de uma refeição ao final do caminho. A luz amena destacava as faces cansadas e sujas dos trabalhadores, revelando expressões que variavam entre a esperança por um breve descanso e a fadiga acumulada.
À medida que avançávamos, os sons metálicos das ferramentas foram substituídos pelo tilintar de canecas de ferro.
A caneca de ferro revelou seu conteúdo como uma gororoba mal definida. Enquanto observava o lugar desolado ao redor, escolhi me sentar encostada na parede e no chão rochoso, percebendo a ausência de qualquer conforto.
Guardas dispersos observavam, mantendo uma vigilância constante, enquanto eu me preparava para enfrentar a refeição indistinta.
Não era surpresa ver Kian observando sua refeição com repulsa; afinal, ele era um príncipe, e a gororoba servida não condizia com os padrões reais.- Não olhe muito apenas engula.- Falei fazendo exatamente o que recomendei a Kian.
Engoli o líquido pastoso e repugnante, focando apenas na sustância que ele proporcionaria, enquanto o gosto terrível descia. Kian repetiu o ato fazendo uma careta ao terminar.
Desviei minha atenção de Kian, que continuava sua refeição, para focalizar nos olhos gélidos do feérico que havia me ajudado antes. Ele circulava algumas pessoas com um olhar severo, revelando-se como um dos muitos guardas da mina de Karvalla. Nossos olhares se encontraram e, de maneira intrigante, ele trocou de posto com o guarda ao nosso lado.
A rapidez com que eu sentia a presença sinistra do feérico nos lugares era desconcertante. Ele parecia agir como um ímã, atraindo minha atenção de forma instintiva.- Vejo que encontrou quem procurava.- disse em um tom baixo.
- Encontrei sim.- Kian olhava o feérico e a mim sem entender nada.
- Eu cuidei do ferimento de sua amiguinha.- Disse ele dando de ombros.
- Sou muito grata por isso.- estreitei os olhos e observei a postura do feérico.- mas o que você realmente quer?
- Nada demais, soube que fora pega na fuga do palácio, pensei que poderia ser útil para tirar algumas pessoas daqui.
- Você nem me conhece...
- Cora, a espiã e assassina da coroa, estou errado?
Um silêncio se apoderou de mim ao ouvir meu segundo nome escapar de sua boca de maneira tão suave.
- Eu sei muito mais do que deveria Milady.
- Isso é uma ameaça?
- Entenda como quiser, mais duvido que seu que seu querido Kian sobreviva se souberem dele. Ah! Sabia que nesta tarde o príncipe fora degolado vivo na praça da cidade? Ou deveria dizer soldado?
- O que você quer que eu faça?- perguntei entre dentes.
- Me empreste seu poder.
- Como?- perguntei levantando as algemas de pedra Abalone que impediam o uso de poderes.
- Não se preocupe eu irei providenciar isso.
- Quando irá precisar de mim?
- Amanhã.- Seus olhos emenavam uma preocupação enorme.
- Eu ajudarei você, mais com uma condição.
- E qual seria?
- Não deixar ele para trás, prometi lealdade ao meu príncipe.- disse apontando para Kian.
- Lealdade?- o feérico riu em deboche.- Sua lealdade por ele lhe cega.
O feérico, sem mais uma palavra, retirou-se silenciosamente.
A enorme caverna, iluminada por tochas irregulares, revelava-se como um refúgio rudimentar na mina de Karvalla. Paredes rochosas e irregulares conferiam uma sensação de confinamento, enquanto o teto se perdia na escuridão acima. A terra árida e pedregosa servia como assento improvisado para aqueles que, após a refeição, buscavam algum conforto.
Alguns trabalhadores se aninhavam em cantos mais escuros, onde a luz das tochas mal alcançava. O murmúrio distante das conversas e o eco ocasional de algum ronco proporcionavam uma trilha sonora inusitada para o descanso temporário. A caverna, com seus contornos irregulares, tornava-se o palco para a pausa fugaz antes do retorno às árduas tarefas na mina de Karvalla.
De maneira inesperada, Kian suavemente segurou minha cabeça, colocando-a com cuidado sobre seu ombro. Seus olhos, normalmente cheios de vitalidade, agora refletiam cansaço e um toque de preocupação.- Descanse um pouco, você já trabalhou muito por hoje mesmo machucada.
Rendida pelo cansaço, entreguei-me ao sono sobre o ombro de Kian. Aconchegada em sua segurança improvisada, senti a penumbra da grota envolvendo-me suavemente. Enquanto as sombras dançavam ao redor, pude vislumbrar o olhar gélido do feérico do outro lado da grota. Sendo o feérico meu único vislumbre eu me rendi ao cansaço e adormeci.
•°•×•°•
Meus olhos se abrem de repente e me obrigo a levantar sobressaltada com o barulho. O som penetrante de um chicote corta o ar, ecoando como um aviso indesejado. Kian acordará um pouco desnorteado por conta do meu súbito sobressalto.
- O que está acontecendo?- perguntou ele esfregando os olhos.
- Creio que o dia já raiou e seja hora de voltarmos ao trabalho.
Ao erguer-me, meu olhar percorre a cena ao redor, revelando um panorama desolador. Crianças, com olhares cansados e corpos frágeis, são arrancadas do chão sem piedade, obrigadas a enfrentar um trabalho árduo que deveria ser alheio à sua inocência. A cruel realidade se estende aos mais velhos, cujos corpos já desgastados resistem com dificuldade, e o som dos chicotes cortando o ar ecoa, deixando marcas visíveis do sofrimento que permeia este sombrio ambiente. O coração aperta diante da injustiça.
De longe, avisto o feérico de olhos gélidos. Seu olhar, dirigido às pessoas da caverna, transmite uma mistura de pena e compaixão. No entanto, uma desconfiança profunda me impede de aceitar totalmente sua aparente benevolência. A incerteza paira, deixando-me insegura sobre a verdadeira natureza dele e suas intenções.
Kian se ergue primeiro, seus olhos encontrando os meus com um sorriso meigo. Sem hesitar, estende a mão, e eu a seguro, permitindo que me guie para fora da caverna. Juntos, trilhamos o caminho em direção ao túnel que nos conduzirá à mina. A medida que nos aproximamos, o calor abrasador do deserto de Karvalla já se faz sentir intensamente no ar, anunciando um dia desafiador.
Ao chegarmos à entrada do túnel, deparamo-nos com um caixote que guarda as ferramentas rudimentares. Kian pega duas picaretas, entregando-me uma com um gesto solidário. O trabalho árduo nos aguarda, o som das picaretas ressoa, acompanhado pelo som do esforço dos trabalhadores.Percebo a presença do feérico ao meu lado enquanto concentro toda minha força para descer a picareta sobre a pedra. Por um instante, interrompo o trabalho para secar o suor da testa com o braço, sentindo o calor sufocante da mina. O olhar do feérico, gélido e observador, parece testemunhar não apenas o esforço físico, mas algo na minha determinação ao trabalhar.
- O que você quer agora?
- Nada demais, apenas queria dizer que uma tempestade de areia está de aproximando.
Olhei para o céu acima da minha, onde nenhuma nuvem sequer aparecia sobre o azul do céu sem falar no calor escaldante que o sol estava produzindo.
- Você só pode estar brincando.- ri com escárnio.
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Storm Queen
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