Crueldade a portas fechadas

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A Fortaleza Vermelha amanheceu honrando seu nome, o nascer do sol iluminava as pedras vermelhas e deixava um brilho avermelhado nos corredores da grande fortaleza. A vida começava a tomar a fortaleza, muitos guardas trocaram de postos e muitos membros da corte já saiam de seus aposentos para ir ao tribunal, quebrar o desjejum com os amigos ou passear pelos jardins.
A mão do rei e mestre das leis, Lorde Lyonel Strong, foi em direção ao Grande Salão. O rei teve um subíto mal estar durante a noite, tornando dever da Mão comparecer ao tribunal em seu lugar. Os guardas que protegiam as enormes portas a abriram para Lorde Lyonel, o Senhor de Harrenhal caminhou pelo longo tapete vermelho estendido da entrada do Grande Salão até o trono de ferro, pelas paredes guardas estavam em seus postos para garantir a ordem durante o tribunal. Em um dia comum, a Guarda Real também estaria presente para proteger o rei mas os seus membros, no presente momento, se encontravam nos aposentos reais para guardar o rei enquanto o Grande Meistre Mellos e seus ajudantes cuidavam da saúde de Sua Magestade, o rei Viserys.
Lorde Lyonel subiu os degraus que levavam ao trono de ferro com muito cuidado e se sentou enquanto ordenava que o tribunal começasse. Os guardas liberaram as portas e os nobres entraram para trazer seus casos perante a Mão do rei.
Conforme o tempo passava e os casos eram trazidos, as pessoas no tribunal sentiam o calor encher a sala. O tempo agradável da primavera era obviamente preferível ao inverno mas o aumento na temperatura era horrível quando tantas pessoas se encontravam em um lugar fechado. O Grande Salão pouco a pouco fedia a corpos aglomerados e um cheiro fétido se espalhava pelo ar conforme se aproximava o meio dia.
Mas nenhum dos nobres sofria mais do que o Lorde Mão, o trono de ferro era desconfortável e o calor o estava afetando bastante, diversas moscas o rodeavam e a todos os próximos a ele. Mas Lyonel Strong era claramente o mais afetado, o mal cheiro o incomodava demasiadamente e ele não via a hora de sair do Grande Salão.
Um nobre trazia suas queixas para que fossem examinadas quando algo caiu na testa de Lyonel Strong. O senhor de Harrenhal esfregou a mão na testa e observou o líquido vermelho escuro, quase preto, que espalhava um cheiro fétido pela sua palma. A gota era grossa e arrastava um líquido ralo e mal cheiroso com ela, o Lorde Mão fez uma cara de desgosto conforme analisava o que caiu nele.
Uma nova gota caiu do teto e junto com ela algo novo. Esfregando a mão na testa novamente, o homem se assustou ao ver uma larva branca se contorcendo na sua palma. Olhando imediatamente para cima, ele viu.
O teto do Grande Salão não era ornamentado ou opulento, poucas pessoas se davam ao trabalho de prestar atenção a ele. Por isso que demorou a identificação, mas logo Lyonel Strong viu claramente o que o atingiu e levantou de subíto. Alguns dos nobres, curiosos, ergueram suas cabeças para ver o que atormentava a mão do rei e muitos gritaram.
Acima do trono de ferro, escondida entre os candelabros, havia uma cabeça humana.
...
Uma investigação foi instaurada e não foi complicado identificar o dono da cabeça do trono de ferro. Ela pertencia ao meistre Clifford, um aprendiz do Grande Meistre Mellos recém chegado da cidadela. A primeira coisa identificada foi a falta de orelhas e uma inspeção mais profunda constatou que a cabeça não possuía língua, apavorando muitos membros da corte que praticamente imploraram a mão do rei para deixar o castelo, o que foi negado veementemente.
Isso não passava de um incidente infeliz e sem importância, ele afirmou. Logo pegariam o culpado e ele pagaria por seus crimes.
Mas Lorde Strong não poderia estar mais enganado.
Na manhã seguinte foram encontradas duas cabeças de cavalariços dentro da baía de um dos cavalos, escondidos em uma pilha de feno. Eles foram encontrados da mesma forma que o meistre Clifford, sem orelhas e língua.
O alvoroço que se seguiu deixou a Mão do rei extremamente estressada mas isso não o impediu de negar a saída de qualquer pessoa da fortaleza. Imediatamente o número de rondas aumentaram e o número de guardas também.
Mas isso de nada adiantou.
Na manhã do terceiro dia três cabeças de guardas foram encontradas juntas, da mesma forma que as outras. Duas das cabeças estavam postas do lado de fora do Salão de Baile da Rainha e a outra estava no lado de dentro, elas foram postas de forma a parecer que estivessem confabulando entre a fresta da porta. Porém, algo estava diferente dessa vez. Os outros foram mortos de forma física e brutal com as orelhas e a língua retirados quando eles ainda estavam vivos, mas os três cavaleiros eram altos e fortes e os meistres que os examinaram disseram que foram envenenados e as orelhas e língua foram retirados após a morte. Eles foram mortos no mesmo momento, os três cavaleiros eram amigos e no quarto de um deles estavam três taças com traços de veneno.
Isso demonstrou que o assassino sabia onde encontrar os três juntos e tinha acesso fácil pelo castelo, também foi levantada a hipótese de que ele não teria força para lidar com três fortes guerreiros na mesma noite, podendo ser uma mulher ou um homem velho. Tal hipótese não foi descartada mas a chance de ser um ataque provocador e que os alvos somente cresceriam conforme a posição social, se tornou o maior medo do Lorde Mão, mesmo que ele não admitisse isso a ninguém.
Lorde Lyonel resolveu triplicar a segurança e retirou guardas que patrulhavam as ruas para proteger o castelo, as entradas e saídas foram guardadas e guardas patrulhariam todos os corredores do castelo.
E mesmo que nenhum ataque tenha sido direcionado a família real, a mão do rei tomou providências. Provadores foram instalados para atender a todos os membros da família real e a Fortaleza de Maegor se tornou basicamente impenetrável, ninguém saia ou entrava sem ser rigidamente inspecionado e a quantidade de guardas que protegiam a família real era alarmante.
Todos os mantos brancos foram postos no quarto do rei e da rainha, além de seis guardas comuns, e foi sugerido que as crianças fossem postas no mesmo quarto para uma maior proteção mas a rainha Alicent negou.
- Meus filhos reunidos no mesmo cômodo são alvos fáceis, Lorde Mão.
Então, três guardas foram designados para guardar cada filho da rainha. Uma ação tola na cabeça da princesa Rhaenyra, na cabeça dela quanto mais guardas melhor e quanto mais próxima a família real, melhor uma possível fuga em caso de ataque direto.
Pensando de forma diferente da rainha, a princesa Rhaenyra colocou todos os filhos em seus aposentos para que ela e o marido ficassem juntos das crianças. A princesa também escolheu levar seu meistre para ficar de prontidão para atende-la e pediu ao seu escudo juramentado, Sor Harwin Strong, Comandante da Patrulha da Cidade, que escolhesse vinte e cinco dos seus mais confiáveis homens para guardar o lado externo e interno dos aposentos da princesa. A soma total de guardas e homens capazes de lutar nos aposentos da princesa Rhaenyra chegou a vinte e oito, contando com o próprio marido da princesa, Sor Harwin e o escudo juramentado da princesa Aegony.
Se a própria fortaleza de Maegor por si só fosse impenetrável, o quarto da princesa Rhaenyra era inexpugnável.
Mas isso não adiantou quando o próximo ataque chegou. No quarto dia, quatro cabeças de trabalhadores das cozinhas foram encontradas fervendo em um caldeirão, nenhuma delas tinha orelha e língua além de não haver nenhum sinal de veneno. Mais guardas foram designados para guardar o corredor das cozinhas e quartos dos empregados.
Mesmo que dentro das paredes da Fortaleza os assassinatos em série fossem o assunto principal, fora dos muros era outra história. Muitos fofocavam e esse era só mais um dos assuntos, o principal era obviamente a menarca da filha mais velha da princesa Rhaenyra.
No quinto dia, três cabeças de prostitutas e duas de taberneiros foram encontradas penduradas na estrada do Portão do Dragão, da mesma forma que as encontradas no Palácio. Logo, o assunto na cidade não era mais sobre Aegony.
Os moradores de Porto Real clamavam pelo retorno dos mantos dourados e Lyonel Strong não sabia o que fazer, os nobres na Fortaleza Vermelha não queriam mais sair da Fortaleza. Eles chegaram a conclusão de que esse claramente não era um ataque qualquer, o lado externo também foi atacado e não havia como alguém entrar ou sair do castelo, eles perceberam que estariam mais seguros dentro da Fortaleza Vermelha e se rebelaram contra qualquer tentativa de Lorde Strong de enviar alguns mantos dourados de volta para as ruas. Com o exemplo da princesa Rhaenyra eles concluíram que quanto mais guardas para protege-los melhor.
Os nobres não eram burros e o povo de Porto Real também não, os boatos se espalharam de que todos os mortos tinham algo em comum. Todos eles fofocavam e espalhavam sobre o florescimento da princesa Aegony, não tardou para que chegassem a conclusão de que a princesa tinha um exército de demônios vingativos que rondavam tanto dentro quanto fora da Fortaleza, a procura de qualquer um que constrangesse sua mestra.
A Fortaleza estava mais silenciosa do que nunca, os culpados morriam de medo de serem os próximos e a fofoca tinha se tornado algo perigoso nos últimos dias.
No sexto dia, seis camareiras foram mortas e suas cabeças encontradas em cima das trouxinhas e paninhos íntimos de suas patroas, da forma que todos já esperavam. Suas patroas e patrões eram principalmente de famílias menores com pouca importância mas uma em específico chocou a Fortaleza, a camareira da própria rainha. O Lorde Mão não era tolo e com todos os boatos, ele precisava agir e tomar medidas drásticas, não demorou a interrogar a família da princesa Rhaenyra.
- Minha filha não passou pelo bastante? Além de ter sua vida exposta agora é acusada de compactuar sobre temas tão malignos? Tomo isso como uma ofensa. - a herdeira do trono de ferro tinha o rosto pálido e acariciava a barriga fervorosamente, o estresse dos últimos dias cobrando seu preço - Minha família não tem nada a declarar, Lorde Mão. Mas se você insiste em nos interrogar, aviso que falará sozinho.
Pelas próximas quatro horas, Lorde Lyonel Strong fez perguntas para a família da princesa Rhaenyra mas nenhum membro disse absolutamente nenhuma palavra. Quando tentou indagar os guardas, ficou surpreso ao encontrá-los extremamente quietos e o próprio filho encarando-o. Obviamente, não é estranho dizer que a mão do rei saiu do mesmo jeito que entrou, de mãos vazias.
A única coisa que a mão do rei pode fazer foi aumentar a segurança dos aposentos do rei, da rainha e seus filhos. Assim como todas às famílias menores que tiveram suas servas assassinadas, ele também lhes forneceu provadores para evitar comidas envenenadas. Na transição da sexta noite para a manhã do sétimo dia, Lorde Lyonel Strong não dormiu.
Ao amanhecer foi constatado que a rainha não sofreu nenhum mal diretamente, enquanto as damas e lordes que estavam supostamente ameaçados sofreram danos diretos a sua pessoa. Na manhã do sétimo dia, sete cabeças foram encontradas no mesmo estado de sempre. Os corpos foram encontrados dessa vez, ainda em suas camas junto com as cabeças dos cinco nobres de famílias pequenas e dois nobres de famílias relevantes no reino. Lorde Lyonel estava a ponto de castigar os guardas por sua ineficiência mas os meistres o impediram, foi encontrado em seus corpos um raro paralisante potente vindo diretamente de Asshai, extremamente raro e caro, uma única picada já era o bastante. Esse pequeno detalhe explicou o porquê não houve gritos.
Pelos próximos dias não ocorreram mais ataques, a mão do rei escreveu cartas para as famílias dos nobres mortos e lhes enviou os corpos para que fossem sepultados. Lorde Lyonel ficou tentado a abrir os portões da Fortaleza Vermelha mas decidiu por esperar, era melhor prevenir que um novo ataque acontecesse do que dar por encerado o perigo.
...
A luz do sol atravessou a fresta da cortina e atingiu o rosto de Aegony, despertando-a. Há muito tempo ela não dormia tão mal, com todos os assassinatos acontecendo em cada canto da Fortaleza era difícil relaxar. Fazia dias que ela não visitava Suryax e todo esse alvoroço tem cobrado seu preço de sua mãe, a princesa Rhaenyra sentia fortes dores na barriga devido ao estresse e o meistre Gerardys quase não saia de perto dela, o que é difícil pois todos têm estado no mesmo espaço ultimamente.
Compartilhar uma cama com sua mãe e seus irmãos seria algo bom e gratificante em qualquer situação mas não nesses últimos dias. Os aposentos da princesa Rhaenyra eram constituídos por um quarto de vestir, uma sala de descanso, varanda e seus quartos de dormir. Era um espaço bom e amplo mas com tantas pessoas era sufocante.
Guardas vigiavam o lado de fora dos aposentos da princesa, outros ficavam na sala de descanso, o meistre Gerardys dormia em um sofá na sala de descanso caso a princesa precisasse dele, Sor Harwin e Sor Harren vigiavam os quartos de dormir pelo lado de dentro e revezavam com seu pai para que todos estivessem descansados. Eles geralmente dormiam em um sofá. Já a cama era dividida entre Aegony, seus irmãos e sua mãe. A princesa amava sua família mas ela estava cansada disso tudo, ela já fez de tudo nesse quarto. Ela até perdoou o Jace no terceiro dia que ficaram presos o dia todo nesse quarto, mas depois veio o quarto dia, o quinto e o sexto, no sétimo ela não aguentou mais e eles brigaram de novo.
Aegony se levantou e se arrumou com a ajuda das aias de sua mãe. Hoje seria o primeiro dia que ela saia do quarto depois de uma semana e meia trancada, sua mãe finalmente cedeu na noite passada e deixou os filhos saírem. Ainda bem, mais um pouquinho de tempo dentro do quarto e nem o Luke com seus cachos fofinhos a impediria de matar o Jacaerys.
Os meninos já haviam saído quando ela se arrumou, Luke foi treinar espadas com o pai e Jacaerys foi para suas aulas com a Septã. Aemond deve ter se juntado a ele, pelo que ela soube seus castigos não foram interrompidos nem mesmo quando pessoas morriam em cada alcova dessa fortaleza. Seu irmão Jace parou de ir até a Septã no tempo em que ficaram trancados, mas a sua mãe pensou em tudo, Jacaerys passou todos esses dias escrevendo sobre bons modos e lendo livros de etiqueta. Aegony nunca viu um menino tão feliz para ouvir uma Septã.
A princesa deu um beijo na testa de sua mãe, bem no meio de seu cenho franzido, Aegony se preocupou pois a sua mãe ainda repousava com a mão na lateral da barriga. Tomando providências a princesa sacudiu meistre Gerardys, o homem acordou de súbito e assustado.
- Vossa Alteza, algo de errado?
- Não sei, mamãe está com dor. - Aegony indicou Rhaenyra que estava encolhida em volta da barriga e assim que o meistre foi em direção a ela, a princesa saiu da sala com seu escudo juramentado. Com o canto do olho a princesa observou Sor Harwin levantar de seu posto no sofá e ir em direção a sua mãe. Confusa a princesa resolveu deixar isso para outra hora, havia problemas maiores para resolver.
Conforme caminhava a garota percebeu que o castelo estava em um silêncio mórbido, sem sua movimentação e agitação de sempre. Muitos nobres estavam de luto e outros tinham medo de deixar seus quartos, assim ela pensou. Sua mãe era parecida com eles, assustada, ela não a teria deixado sair se não fosse por sor Harren a acompanhando e seu pai levando seus irmãos, Jacaerys não tem permissão para sair da biblioteca com a Septã e os guardas até que sor Laenor venha buscá-lo. Eram medidas chatas mas é melhor do que ficar presa no quarto.
O passeio de Aegony essa manhã era para o jardins, ela tomaria chá com sua tia Helaena e e a Septã Morgane. Desde que ela floresceu a Septã vem tentando fazer esse encontro acontecer para conversar com ela. Ao se aproximar de sua mesa no Jardim, ela se preparou para os cumprimentos.
- Bom dia, Tia, você está linda essa manhã. - Ela disse para Helaena que estava em outro de seus momentos introspectivos, um bordado de algum inseto perdido no colo e uma xícara de chá intocada com um prato de bolinhos em igual situação. -Septã Morgane, é sempre uma honra me juntar para esse chá com a senhora e a princesa Helaena. Agradeço muito pelo seu convite.
Septã Morgane é uma mulher de rosto doce e gentil, com uma personalidade que não combina em nada com sua aparência. Por trás de todo esse cabelo branco macio e esse rosto redondo com lindas covinhas, havia uma mulher rígida e possuidora de uma língua tão afiada quanto aço valiriano.
- Vossa Alteza, é sempre um prazer recebe-la. É gratificante estar na presença de alguém com bons modos, nem todas as princesas tem essa qualidade nos últimos tempos. - Um olhar cortante foi dado a princesa Helaena que continuava absorta ao seu redor.
Uma xícara de chá foi servida em sua frente pela Septã e Aegony tomou um gole de forma desgostosa. Sorrindo para evitar ser mal educada, ela escondeu seu ódio pelo chá com um grande sorriso. Septã Morgane tem um gosto estranho por misturar ervas e fazer os chás mais deploráveis do mundo, quanto mais amargos melhor para ela.
- Venho tentando marcar esse encontro a dias mas desde que vossa alteza foi trancafiada como um animal selvagem, não pude fazer nada. Mas antes tarde do que nunca.
A mulher tomou um gole do seu chá com um grande apreço antes de continuar.
- Agora que você se tornou uma jovem mulher, há coisas que não mais adequadas. Uma delas é dividir o mesmo quarto que um membro do gênero oposto, seja da família ou não. A princesa Rhaenyra, nunca teve a tendência de seguir os padrões de decência, não é? - o olhar de julgamento da Septã perfurou todas as camadas de roupa de Aegony e a princesa se sentiu nua em sua presença. - Sua Magestade, a rainha, nunca colocaria o príncipe Aegon, o príncipe Aemond e Sor Criston Cole para dormir no mesmo quarto que a princesa Helaena. Ainda mais colocar a princesa para dormir na mesma cama que os irmãos, isso é ultrajante! Macular a honra da própria filha desse jeito!
Outra coisa a se destacar sobre Septã Morgane, ela educou a rainha e sua mãe quando as duas eram jovens. Porém, insinuar que ela tinha favoritos era um ultraje.
- Outra coisa que precisa ser concertada, treino de espadas. Em sua juventude a princesa Rhaenyra tinha o sonho esdrúxulo de ser uma mulher de batalhas, um sonho que a rainha Alicent nunca teve pela graça dos sete. Sua Majestade sempre foi uma lady firme em seus deveres, uma mulher graciosa e que inspira o respeito, sua honra é imaculada. Isso é mais do que se pode dizer de certas mulheres desta corte.
O correto, conforme os pensamentos de Aegony, seria afirmar que a Septã Morgane claramente tem uma questão de favoritismo para com a rainha.
- Sou uma mulher do mar, Septã Morgane. Os treinos de espada são necessários para minha própria proteção. - Aegony colocou alguns biscoitos no seu prato e um bolo de limão.
- Vossa Alteza é uma mulher, estar no comando de um navio dificilmente é um dever seu. Seu tempo seria mais proveitoso melhorando suas habilidades na harpa, no canto e no bordado. Saber comandar um navio e lutar com espadas dificilmente seria uma característica que um homem procura em uma esposa.
- Eu sei tocar harpa, cantar e bordar. Septã Morgane, aprender novas habilidades dificilmente apagaria as que já tenho.
- Minha querida princesa, seu dragão faria um bordado mais bonito com suas garras do que vossa alteza com seus dedos e uma harpia faria uma música mais agradável aos ouvidos. Além disso, é um ...
Voltando de seu momento de silêncio, a princesa Helaena se introduziu na conversa e interrompeu o discurso da Septã.
- Dreamfire faz um belo bordado na pele de suas vitimas, ela pode ensinar Suryax a bordar um dia. - a menina disse de forma sonhadora mas logo sacudiu a cabeça e voltou ao seu bordado e ignorou as reprimenda de Septã Morgane sobre falar fora de hora. O favoritismo que a mulher tinha para com a rainha claramente não era estendida para sua filha.
Aproveitando a distração, Aegony respirou fundo e encheu seu prato com mais bolo e biscoitos para evitar recorrer ao desrespeito com uma mulher da idade de Septã Morgane. Conforme a mulher falava, a princesa acenava com a cabeça e sorria, escolhendo concordar e ser educada do que ficar no lado negativo da Septã. Afinal, ela vai precisar estar presente em seus encontros por tempo indeterminado.
- Enfim, como eu dizia -, um olhar mal-humorado foi lançado na direção de Helaena que não podia estar menos interessada em sua reprimenda - É ultrajante e um desrespeito para com a fé, Vossa Alteza.
Para evitar retrucar sobre como o guerreiro gostaria de suas habilidades, a princesa resolveu amaciar sua raiva com mais bolo. Quando ela estava a caminho do cesto, ele foi tirado do caminho por uma mão gorda e enrugada.
- A não ser que seu pai ofereça o seu peso em ouro, nunca conseguirá um marido se continuar comendo dessa forma.
É por isso que você virou Septã? Foi o que ela sentiu vontade de dizer.
Aegony imediatamente bebeu um gole do seu chá para se conter.
- Que interessante seu bordado, eu estava olhando mas não consegui identificar o inseto, tia.- a princesa puxou conversa com a outra garota.
- Oh. - Helaena se surpreendeu ao ter os seus insetos colocados na conversa de forma não negativa. - É um Digitonthophagus gazella, da família Scarabaeidae, resolvi borda-lo porque me lembra o chá da Septã Morgane.
Ela ergueu o tecido com um besouro marrom estampado em cima de um bolinha de cor terrosa. Ignorando os olhares da Septã, Aegony resolveu continuar o assunto.
- Ele parece interessante mesmo e o que é isso embaixo dele?
Com os olhos mais inocentes e sonhadores do mundo, Helaena respondeu:
- Uma bola de excrementos fecais.
Aegony imediatamente colocou a xícara na frente dos lábios para disfarçar o riso enquanto a Septã Morgane virava suas palavras de repreensão para Helaena, ao qual a princesa apenas acenou com a cabeça e retomou o bordado.
Quando a Septã voltou sua atenção para Aegony, ela resolveu voltar com um assunto diferente que a tem incomodado e evitar mais repreensões.
- Senhora, posso te fazer um questionamento? É de extrema importância.
A mulher se arrumou em sua cadeira e voltou todo o seu foco para Aegony, gostando de ser colocada em um posto de tal confiança.
- Pois diga, Vossa Alteza. Terei o prazer de responde-la.
- Eu tenho observado minha mãe e as pessoas perto dela, por isso perguntei ao meistre, ao meu pai e até ao Sor Harwin mas nenhum deles quis responder.
A Septã murchou na cadeira imaginando qual pergunta a princesa faria e por que ela se prontificou tão rapidamente em responde-la.
- O bebê pode matar a minha mãe? Ela corre perigo?
As reações foram instantâneas, as mãos de Helaena pararam imediatamente de bordar e a Septã Morgane congelou sem saber o que dizer. Fazendo algo que não era típico, a mulher deu um sorriso fraco e morto. Isso por si só poderia ter sido uma resposta mas não foi apenas isso que a Septã deixou transparecer.
- Esse é um questionamento que não cabe a mim dizer mas Sua Magestade, a rainha Alicent, teve quatro filhos. Tenho certeza que ela ficaria feliz em te responder, vou informa-la e logo Vossa Alteza entenderá.
Antes que Aegony dissesse algo mais, a mulher retirou um bastidor, agulhas e linhas da caixa da princesa.
- Por que não treinamos mais o seu bordado? Tenho certeza que você tomará jeito e verá que a espada e a navegação não lhe agradam tanto quanto às artes femininas. Venha, me faça um lindo passarinho.
Aegony fez o que ela pediu com preocupação , sua resposta não poderia ser coisa boa se a Septã agisse dessa forma.
Quando terminou, Aegony pode ver a Septã Morgane engolir um comentário mordaz e em vez de dizer o que ela claramente pensou, ela disse:
- Até que não é tão ruim.
Tal resposta da Septã Morgane chegou próximo de um elogio ao seu bordado. Normalmente ela nunca diria algo sobre o seu bordado que não estivesse associado com abominável, deplorável ou monstruoso. Sem saber a Septã aumentou mais ainda o medo da princesa.
...
A resposta da rainha não demorou a chegar, durante a tarde uma das aias da rainha lhe trouxe uma mensagem pedindo para encontrá-la no Salão de Baile da Rainha, local onde muitas vezes a rainha Alicent passava o tempo com as outras damas da corte. Geralmente, esse era um lugar agitado, com empregadas servindo bolos, doces, biscoitos, queijos, chá, frutas e tudo mais que a rainha oferecesse para suas convidadas. Mas não foi isso que Aegony encontrou.
No momento em que a princesa bateu na porta, Sor Criston Cole a abriu e com uma reverência a levou para dentro. Quando o escudo juramentado da princesa ia dar um passo para dentro do Salão, Sor Criston Cole o segurou pelo braço.
- Somente a princesa, Sor Harren. Me desculpe. - Cole sorriu para o homem enquanto tentava levá-lo para fora da porta.
Mas Sor Harren Pyke era um homem de ferro, mais alto que Sor Criston e mais forte também. O homem com apenas uma sacudida de braço retirou a mão do seu braço.
- Tenho uma ordem da princesa Rhaenyra, de que não tiraria meus olhos de sua filha nem por um segundo. Se a menina entra, eu entro. E você sai do meu caminho, Crispin. - o cavaleiro cuspiu e virou as costas para o escudo da rainha.
Sor Criston o puxou de volta, o rosto vermelho. Se de raiva ou força, Aegony não sabia.
- Na verdade, é sor Criston Cole, como você bem sabe.
O homem de ferro sorriu e se aproximou, seu rosto a centímetros do de Cole.
- Qualquer que seja seu nome, boneca. Eu entro com a princesa e se tentar me impedir, minha espada vai entrar em você também, gracinha.
- Harren, eu fico bem sozinha. Você pode esperar lá fora, não arrume briga com Sor Criston. - Aegony apontou, preocupada com seu escudo juramentado.
Antes que sor Criston pudesse responder, a voz da rainha interrompeu a todos.
- Já chega.
No canto da gigantesca sala, a rainha estava sentada em um sofá e logo se levantou para encontrar sua convidada na porta.
Vestida de verde Hightower a rainha se aproximou, seu vestido possuía um decote alto retangular e mal mostrava as clavículas, os braços estavam escondidos por mangas longas que começavam apertadas e se abriam nos punhos. O cabelo da rainha estava solto e era enfeitado por uma coroa dourada com esmeraldas que combinavam tanto com os brincos tanto com o colar que usava. Apesar do clima quente da primavera, Alicent Hightower não parecia estar com medo do calor e se cobria o máximo possível.
- Você pode esperar lá fora Sor Harren, Sor Criston irá com você. Essa é uma conversa de mulheres. - a rainha deu um sorriso doce para a princesa, como se fossem cúmplices. - Tenho certeza de que você não deseja constranger sua protegida, Sor Harren.
Como se estivesse engolindo algodão, Sor Harren se curvou e respondeu com cara de poucos amigos.
- Não é esse meu desejo, minha rainha. Imploro seu perdão.
- Está mais do que perdoado, Sor Harren.
Com duas reverências de despedida para Aegony e a rainha, Sor Harren saiu e foi seguido de perto por Sor Criston que reverenciou a rainha Alicent antes de fechar a porta.
- Rapazes, sempre tão obtusos, não acha? - a mulher disse e sorriu para Aegony como se fossem grandes amigas.
Com uma reverência, a princesa a cumprimentou.
- Minha rainha, peço desculpas pelo comportamento rude do meu escudo juramentado. Receio que ele seja mais protetor do que imagina e sua proteção cegue o seu julgamento.
A rainha sorriu.
- Não há problema, minha cara. Como eu disse: ser rude é o mal dos homens. Agora venha, vamos nos sentar.
Colocando seu braço em volta do de Aegony, a rainha a levou até os assentos e a mesa de guloseimas. Sentando-se ao lado dela é virada para ela, de forma que seus joelhos se encontrem. Se Aegony não estivesse tão intimidada pela enorme sala vazia e desesperada por respostas, ela teria estranhado a voz doce e carinhosa da rainha assim como suas ações. Mas ela tinha visto apenas 10 dias do seu nome e como toda criança ela era inocente para as maldades que podem ser feitas com um sorriso no rosto e um gesto delicado.
A rainha serviu ela mesma duas xícaras de chá e convidou Aegony a provar uma tortinha de morango.
- Septã Morgane me disse um pouco sobre seus questionamentos. Fico feliz de ter sido honrada com sua confiança mas por que você não começa do início? Me explique de onde surgiram suas preocupações, minha princesa.
Dando um gole no seu chá para molhar a garganta, a princesa tomou coragem.
- Bem...Essa dúvida começou quando a minha flor veio. Vossa Magestade ficou sabendo, não é? -Aegony olhou para a rainha Alicent com o canto dos olhos e quando a mulher riu, a princesa sentiu seu rosto queimar.
- Doce criança, impossível não saber, não há um único homem ou mulher dos sete reinos que não saiba disso. - a mulher tomou um gole de chá e o sorriso que deu a Aegony poderia ser classificado como carinhoso por qualquer um que não fosse dotado de perfeitas condições mentais, a princesa tinha a ligeira impressão de que a rainha estava caçoando dela - Se você levantasse uma pedra em qualquer lugar para além da muralha, acharia um selvagem comentando sobre seu sangue lunar. Tenho certeza.
- Ótimo, é bom saber que vossa Magestade tomou conhecimento. - a menina engoliu em seco e observou como a rainha se recostava no sofá de uma forma relaxada que ela nunca tinha visto antes em nenhum encontro da corte. - Esse meu questionamento começou quando minha mãe conversou comigo, ela me disse algo que minha avó contou a ela.
A expressão da rainha se aguçou, ela sabia o rumo que essa conversa estava chegando e dizer que estava empolgada seria um eufemismo.
- Minha mãe me disse que o campo de batalha das mulheres é a ...
- ...cama de trabalho de parto.
Diante do olhar confuso de Aegony, ela completou:
- Eu estava presente quando sua avó disse isso, seria difícil esquecer. Não fico surpresa que isso tenha marcado a sua mãe.
A rainha disse isso esperando uma reação da jovem princesa, que não frustrou suas expectativas quando curiosamente perguntou:
- Por que?
Ao qual a rainha impiedosamente, com um sorriso de canto disse:
- É difícil esquecer as últimas palavras que sua mãe diz para você antes de morrer na cama de parto.
O silêncio tomou a sala com a declaração de Alicent Hightower, as mãos de Aegony tremiam como se seus medos tomassem forma e aparecessem na sua frente. Ela sabia, é claro, que sua avó faleceu e que logo depois seu avô se casou com a filha de Otto Hightower, a mulher que estava ao seu lado. O que ela não sabia era o contexto de tal fato, ninguém nunca lhe disse.
Algo dentro de Aegony lhe disse que aquilo dito por sua mãe poderia ter um significado oculto, ela cresceu ouvindo histórias de bravos cavaleiros que morreram no campo de batalha. E se o campo de batalha das mulher é a cama de trabalho de parto, a morte é sempre uma chance, não é?
- Então é verdade, não é? Os bebês podem matar suas mães? -a voz de Aegony era vacilante assim como suas mãos.
A mulher de cabelos castanhos balançou a cabeça e deu a jovem garota uma feição exageradamente triste que não combinava em nada com seus olhos.
- Ah, minha querida. Nem sempre são os próprios bebês, muitas das vezes os próprios maridos e pais às matam. Foi isso que seu avô fez.
- Os próprios maridos?! Por que eles fariam uma coisa dessas? Mamãe sempre disse que um bom marido cuida e protege sua esposa.
Diante do olhar de choque de Aegony, a rainha quase ficou com pena de Sua ingenuidade. Quase.
- Eles não tem outra escolha, o parto possui muitas complicações e é necessário decidir entre a vida da mãe ou do bebê. A escolha é óbvia, veja bem, o principal objetivo de um casamento é produzir herdeiros.
Alicent colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha da princesa e observou seu rosto assustado e mãos trêmulas. Com a total atenção de Aegony, a rainha se preparou para seu monólogo.
- As mulheres, assim como os guerreiros, são substituíveis. Algumas, inclusive, são incapazes de gerar bebês vivos e a tentativa sempre resultará em sua morte sofrida.Os homens não toleram erros, criança, e sempre vão escolher o herdeiro. Logo, se a única opção é pegar uma faca e rasgar a barriga de sua esposa para ir atrás de seu possível filho homem, é o que todos vão fazer.
Bebendo um gole de chá para molhar a garganta, a mulher continuou.
- Mas em outras vezes, como você foi esperta em apontar, a própria gravidez pode matar uma mulher. Os bebês muitas vezes enfraquecem suas mães para vir ao mundo ou deixam para trás complicações que causam a inevitável morte.
Os olhos de Aegony se enchiam de lágrimas e mesmo que ela apertasse sua xícara, sua mão iria tremer descontroladamente e a porcelana tilintaria sem parar.
- Às vezes podemos até prever a morte iminente através dos sinais. - com um olhar conhecedor, a rainha acrescentou - Apresentar fraqueza, sentir dores na barriga e apresentar sangramento são sempre um mal presságio para o que virá na cama de parto.
As lágrimas escorriam sem parar pelo rosto de Aegony.
- M-minha mamãe vai morrer?
Com um falso suspiro de pesar, a rainha passou a mão pelas lágrimas que escorriam no rosto da menina.
- Odeio ser a portadora de más notícias, minha princesa, mas a família Targaryen sempre teve um alto indicio de morte na cama de parto. Daella Targaryen e sua filha, minha predecessora e sua avó, Aemma Arryn são grandes exemplos disso. Nem todas são boas o bastante para cumprir seu dever, sinto lhe informar.
Aegony não pode segurar e caiu em prantos, seu corpo todo tremia e ela tremia. A jovem princesa se encolheu sobre si mesma no sofá, ela sabia que era uma postura inadequada para uma dama mas não podia evitar. Tudo em que ela pensava era nas dores que sua mãe tem sentido ultimamente, na mancha de sangue que ela pode ver em uma de suas camisolas mesmo que a princesa Rhaenyra tentasse esconder.
Ela foi tirada de seu esconderijo em seus joelhos pela rainha Alicent que ergueu o seu rosto com uma mão e segurou seu pulso com a outra. Um fraco sorriso enfeitavam o Belo rosto da rainha.
- Não chore, doce criança. Você não tem com o que se preocupar, isso é problema para os mais velhos.
A rainha lhe fez sons reconfortante e Aegony logo voltou a se sentar normalmente, ela deu um fraco sorriso para a rainha que ainda segurava seu queixo e seu braço. No momento em que seus olhos violetas se encontraram com os castanhos da rainha, ela pode ver a crueldade por trás de seus olhos doces e meio sorriso.
Em um movimento que assustou a menina, Alicent Hightower apertou suas unhas no queixo e no pulso da princesa. Com mais força no segundo do que no primeiro, ganindo de dor a jovem princesa não esperava tal atitude da rainha e muito menos suas palavras ditas com um sorriso no rosto.
- Seu avô escolheu bem a sua segunda esposa, tenho certeza de que seu pai fará o mesmo. Não há como cometer o mesmo erro duas vezes, é tolice.

BE A DRAGON - Aemond TargaryenOnde histórias criam vida. Descubra agora