Capítulo 3

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O fim de semana chegou e com ele vem a obrigação de visitar minha família

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O fim de semana chegou e com ele vem a obrigação de visitar minha família. Nesse momento estou dentro de um carro alugado dirigindo de madrugada para chegar ao amanhecer na casa de campo da família. A família sempre teve uma condição boa graças aos pais do meu pai que eram donos da maior vinícola de Roma, eram somente dois filhos, meu pai e meu tio Antônio e depois da morte dos meus avós ficou tudo para o meu tio, já que meu pai não quis nada ligado àquilo, ninguém nunca entendeu o porquê da decisão dele se é um negócio milionário. Mas isso não deixa ele pobre, ele é um empresário renomado. E eles ainda me extorquem para que eu dê dinheiro a eles, em uma dívida que ao ver é inexistente. Aperto o volante do carro tentando descontar minha raiva ali.

Respiro fundo sentindo a raiva crescer em mim. Eu sempre busco aprovação deles, mas é mais fácil do que me rebelar, eles conseguem ser cruéis quando querem e eu ainda tenho amor a vida que criei em Roma não quero que estraguem o pouco que conquistei, como estragaram tudo no resto da minha vida.

Eu tinha tanta raiva dentro de mim, que poderia dizer que um dia vou enlouquecer se não colocar tudo para fora, mas se colocar tudo para fora vai ser matando minha família inteira.

O sol nascia quando estaciono na garagem da grande casa de campo, o cheiro do ar do campo me trazia certo conforto antes de passar pelo inferno, saio do carro jogando minha bolsa nas costas. Sinto o cheiro de café inundar minhas narinas sinal de que alguém já se encontrava acordado.

Caminho entrando pela porta principal da sala, tudo bem arrumado em seu devido lugar, olho para a grande imagem de Jesus suspensa na parede da sala, sempre um lembrete do que minha família era. A típica casa de uma família religiosa, ninguém poderia imaginar que dentro daquelas paredes se passava um verdadeiro inferno.

— Já chegou? — Escuto a voz que tanto temo, olho para trás vendo minha mãe me olhar com seus olhos julgadores enquanto secava as mãos em um pano.

— Sim, benção — Digo me aproximando e pegando na sua mão a beijando, um ato que me ensinou desde criança.

— Deus te abençoe — Ela fala me olhando de cima a baixo, aperto minha mão me sentindo desconfortável e exposta ao seu olhar.

— Vou me arrumar no quarto, em breve desço para tomar o café — Falo decidindo dar as costas para seu olhar cortante.

— Quero você na mesa para tomar café com todos, em dez minutos — Ela manda e somente balanço a cabeça confirmando enquanto caminho até meu quarto na casa.

Empurro a porta e me entro fechando-a atrás de mim, minha respiração estava acelerada, jogo minha bolsa em cima da cama e ando de um lado pro outro tentando afastar aquele olhar de mim. Sempre que vinha ver eles, era como me jogar do penhasco, levava dias para conseguir voltar ao normal. Os primeiros dias após as viagens sempre são os mais difíceis, isso tudo por conta daquele monstro que ouso chamar de mãe.

Me sento e afundo minhas unhas na minha coxa tentando controlar minha respiração, em alguns minutos estou um pouco melhor, vou até o banheiro que tinha no quarto e lavo meu rosto.

Eu vou ficar bem, eu sempre fico, são somente dois dias.

Saio do quarto novamente enquanto repito isso em minha cabeça. Assim que entro na cozinha encontro a família reunida, me aproximo de meu pai fazendo o mesmo ritual que fiz com a minha mãe.

— Deus abençoe — Ele responde como de costume em um tom rude.

Me sento na cadeira que sempre ocupei em frente ao meu terceiro maior pesadelo, David meu mais velho e único irmão, o perfeito.

— Oi irmã — Ele diz com um deboche em sua voz. Ele se inclina sobre a mesa e já prevejo ele me provocando e me machucando com suas palavras — Cada vez que te vejo está pior irmãzinha — Ele fala baixo para nossos pais não ouvirem.

— Obrigado pelo elogio irmão — Lhe ofereço um sorriso forçado.

— Chega de conversa, vamos agradecer — A voz de minha mãe corta o ambiente e olho pro lado vendo os dois já sentados em seus lugares.

Meu pai estende o braço me oferecendo sua mão, pego-a e estendo a minha ao diabo do meu irmão, ele pega ainda com um sorriso debochado no rosto, se eu pudesse quebraria cada dente de dentro da sua boca.

— Senhor Deus todo poderoso — A voz de minha mãe reverbera pelo ar, seu tom é alto como se estivesse pregando a palavra para uma multidão. Fecho os olhos para que não seja repreendida por estar com os olhos abertos na oração, e não preocupada em agradecer a Deus — Agradecemos o alimento que está em nossa mesa, agradecemos por mais uma vez estarmos reunidos aqui nesse solo tão sagrado aos seus olhos pai — Abro um pouco os olhos e minha respiração corta no momento que vejo a silhueta de um bode atrás de minha mãe, seus pelos pretos brilhavam com a luz que iluminava o ambiente, seus olhos em um tom vermelho vivo, seus chifres grandes negros quase tocavam no braço de minha mãe que estava levantado enquanto clamava a palavra do senhor, o bode simplesmente estava parado observando as ações de minha mãe.

Minha boca estava seca e eu olhava incrédula aquilo, não é real, não pode ser. Olho para meu pai e meu irmão que estavam com os olhos fechados ainda orando ao Deus todo poderoso. Meu olhar cai novamente no bode que agora estava virado em minha direção e me encarava, na mesma hora o medo me consome e fecho os olhos com força, não ouso abrir novamente os olhos enquanto aquela tortura de oração não acabasse.

— Amém — A voz de minha mãe soa finalizando finalmente a oração.

Abro os olhos com cuidado, com medo de aquela imagem ainda não tivesse desaparecido, mas assim que meu olhar vai até minha mãe a besta infernal havia desaparecido. Solto a mão de meu pai e do meu irmão enquanto engolia em seco.

O que está acontecendo comigo?

Essa frase soa em minha cabeça durante todo o café da manhã, tinha algo muito de errado comigo. Quando vejo já estou deitada em minha cama depois de ter dado uma desculpa para não participar do passeio em família, quando eu ia nunca era bom, sempre era muito excluída nas atividades que minha mãe preparava, então as vezes que conseguia eu sempre fugia de alguma maneira.

Quando era criança era obrigada a me submeter que todas as situações que ela me colocava, o que me fez ter traumas horríveis que até hoje carrego, mas que tento esconder por trás da muralha que eu mesma criei, olho para a cruz que tinha atrás da porta do quarto, tinha uma em cada cômodo da casa, parecia mais uma igreja do que uma casa acolhedora.

Pelas histórias que meu tio me contava sempre que vinha as festas da família, a família de meu pai não era religiosa, tanto que pelas histórias meu pai teve uma adolescência e tanto dando trabalho a minha falecida avó. Mas tudo mudou quando ele conheceu minha mãe que vinha de uma família extremamente religiosa e devota a igreja, tanto que minha mãe viveu até seus dezoito anos em um internato, nem sei como os pais de minha mãe a deixaram casar. Pelas poucas histórias que soube da sua parte da família, eles eram terríveis. Nunca conheci nenhum de meus avós já que os pais do meu pai morreram antes mesmo de David nascer, e os pais de minha mãe quando eu era recém-nascida, meu avô faleceu e logo tiveram a notícia do suicídio de minha avó, era tão nova que não tenho se quer lembrança de seus rostos.

Minha mãe era tão quebrada emocionalmente que tinha vezes que ela simplesmente surtava do nada, para ela tudo tinha que sair mais do que perfeito. Não se isso é culpa de sua educação rígida, ela sempre me cobrou a perfeição que seus pais a cobraram um dia, ainda não entendo como ela não me mandou para um internato. As vezes teria sofrido menos nas mãos das freiras.

Nem percebo quando escuto o barulho deles voltando, olho para o relógio ao lado da minha cama vendo que beirava as três da tarde, a minha vontade de ir até eles era mínima, mas não queria ninguém me enchendo pelo resto do dia. Me levanto amarrando meu cabelo em um coque malfeito. Assim que chego na sala vejo eles conversarem animados entre si, eles somente me ignoram quando vou até a cozinha, pego um copo de água e me encosto no balcão enquanto olho a paisagem do lado de fora pelas portas de vidro.

— Como vai a faculdade irmã? — Ouço a voz provocadora de meu irmão atrás de mim, levo meu olhar até ele vendo o mesmo com um sorriso no rosto.

— Está ótimo — Digo curta terminando de beber a água em um gole somente.

— Fiquei sabendo que andou tendo problemas, está mentindo irmã? Isso é pecado sabia — Ele diz e eu aperto o copo em minha mão me virando encarando a cara cínica dele.

— Se contar algo para eles, eu te juro que faço você se arrepender stronzo — O ameaço e ele somente ri da minha falta de controle.

Sorellina não seja tão má educada, Deus não gosta disso — Ele fala se aproximando enquanto eu o fuzilo com o olhar. Ele pega em meu maxilar com força erguendo meu pescoço. — Nunca se esqueça de quem você é nesta família, ninguém. Não importa o que você faça irmã, nunca vai ser amada — Ele rosna cada palavra maldita em meu rosto enquanto um sorriso rasgava sua fase em prazer de me ver vulnerável a ele.

— Eu te odeio — Falo com dificuldade quando seu aperto desce para meu pescoço, ele apertava com tanta força que sinto meus pés saírem do chão por segundos. 

Quando a voz do meu pai brada do outro cômodo chamando por ele, ele me solta com a mesma brutalidade que me segurava, meu corpo perde o equilíbrio fazendo com que eu caia, o copo que ainda segurava se choca contra o chão voando estilhaços para todos os lados.

— Amara sempre tão distraída — Ouço sua voz e me apoio na pia me levantando com dificuldade, minha perna ardia desço meu olhar vendo alguns pontos com sangue começarem a jorrar da minha panturrilha.

— Amara o que é isso? — Minha mãe entra na cozinha gritando e quando ela bate o olhar em mim vejo seu olhar de fúria. — Menina estúpida, olha a bagunça que fez, em tempo de machucar alguém — Ela fala se aproximando e vai até David verificando se estava tudo bem com ele.

— Estou bem mamãe, Amara sempre tão desastrada — David me olhava com um sorriso cínico.

— Amara arrume está bagunça, não quero ver nada disso quando voltar — Minha mãe fala enquanto puxa meu irmão se retirando da cozinha.

Fecho meu punho sentindo a raiva se alastrar em meu peito, aquela sensação de explodir me atingia, mas não faço nada. Fico olhando o copo quebrado no piso da cozinha, pensando se valeria a pena pegar um pedaço grande dele e enfiar em minha jugular. Eu queria simplesmente não fazer parte desta família, ou matar todos, tenho certeza de que resolveria meus problemas.

Com raiva pego a vassoura e junto os cacos de vidro, descarto eles. Nem reparo quando estou fazendo um caminho de sangue por onde passei, olho para minha perna vendo que um dos cortes havia sido fundo, procuro por um pano limpo o chão e amarro outro em minha perna para que o sangue parasse de escorrer. Caminho com dificuldade para fora da cozinha, vejo eles rindo na sala enquanto assistiam um programa de TV. A raiva me corroía quando meu irmão vira a cabeça em minha direção colocando um sorriso psicopata no rosto.

A raiva que me invadia era fora do normal, bato a porta do quarto com força, trato de trancar a porta e fechar as janelas. Vou até minha bolsa e pego minhas cartelas de remédio, trato de tomar uma boa quantidade, fecho as cortinas do quarto e me jogo na cama, minha perna ardia pelos ferimentos e meu coração batia descompassado no peito. Puxo a coberta cobrindo meu corpo enquanto o remédio fazia seu trabalho em me adormecer.

Dolce PeccatoOnde histórias criam vida. Descubra agora