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Lipe

Daquele dia, não consigo lembrar de muita coisa. Mas lembro direitinho de um dos menor que tava comigo, parando o carro e descendo. Um outro cara entrou e eu entendi que aquela porra tinha sido dada. Como eu tava no banco de trás, eu botei a pistola na cabeça dele na hora. Eu ia atirar, mas aí já entrou mais um na frente e um atrás, apontando pra mim e pro outro menor que ficou. Levaram a gente pro Salgueiro e ali foi que começou o inferno todo.

Os cara começou a madeirar nós, o menor já começou a chorar. Mas eu sou ruim pra caralho! Quanto mais eles batiam, mais eu gritava que era a tropa do Macaco, a tropa do Rn. Me queimaram e furaram todo. Mas os cara são tão burro, que nem uma facada direito sabiam dar. Bagulho só ia na pele mermo. Teve uma hora que eles não se contentaram em quebrar meus braços e pernas, e deram uma madeirada na cabeça. Ali eu apaguei e não lembro de mais nada.

Depois só lembro deles me jogando pra fora do carro numa pista, e o barulho do tiro. Ou eu sou muito ruim e nem o diabo me quer, ou esses caras não sabem fazer o serviço deles direito. Como que me deixa em coma e não me mata? Nem pra isso servem!

Segundo minha mulher, eu dei entrada no hospital como morto. Ela foi pra reconhecer meu corpo e lá disseram que eu tava vivo ainda, mas não duraria muito. Mesmo assim ela insistiu, me transferiu de hospital. Deve tá pagando carão nesse aqui que eu tô hoje, papo reto. Não sei nem o que seria de mim sem essa doida! Tava comigo o tempo todo. Sabe como eu sei? Mesmo desacordado, eu tinha a impressão de tá ouvindo ela falando comigo direto. Não sei se era coisa da minha cabeça, não sei nem se minha cabeça tava funcionando. Mas, bem de longe, eu sentia e ouvia ela. Quando não era ela, era minha mãe ou dona Mara.

Hoje eu ganhei alta! Liguei pra gata, veio toda boba me buscar com meu filho.

Agora tô em casa, mais confortável. Mesmo com toda dor, tô felizão de ter saído disso. Meu filho fez mó festa quando me viu, minha mãe foi buscar Mirella. Hoje eu durmo do jeito que eu queria!

Laiane: Calma, Henrique!-puxou ele de novo-Ele vai acabar te machucando.

Lipe: Vai não-ela o soltou de novo, e ele veio engatinhando pra cima de mim-Caraca, ele cresceu muito.

Laiane: Cresceu, menino. Agora ele se apóia nas coisas pra ficar em pé e puxar o que tiver no alcance dele.

Lipe: Papo reto?-ela assentiu-Tu tá terrível, menor.

Laiane: O pior é que o filho da puta chama papai, mas não chama mamãe.-eu ri.

Porra, tava com mó saudade das minhas crianças.

Marisa: Olha quem chegou! - disse, entrando no quarto com Sophia-Só não pula em cima, tá?-ela botou Sosô no chão, e ela veio pra cima de mim doida.

(...)

Acabei dormindo por conta dos remédios e quando acordei, só tava Laiane vendo filme.

Lipe: Lai?-chamei baixo, e ela me olhou-Me ajuda ir no banheiro?-ela assentiu, e levantou. Mó humilhações ter que precisar de ajuda até pra mijar. Laiane pegou as muletas, trouxe e me ajudou a levantar. Me apoiei nelas, e ela me ajudou ir até o banheiro. Mijar de porta aberta é osso, mas não tem jeito. Ela segurou uma das muletas e eu fiquei apoiada na outra.-Vira pra lá, pô.-ela riu, e ficou de costas. Botei o gigante pra chorar, balancei e guardei de novo.

LAIANEOnde histórias criam vida. Descubra agora