1. serendipity

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Eu nunca acreditei na aleatoriedade de todas as coisas. Pensava eu que casos do acaso hão de existir, sim, mas são minoria se comparados às obras do destino. Já me indaguei muito sobre a disponibilidade do universo para interligar, ininterruptamente, tantos sujeitos e acontecimentos de modo simultâneo e imperfeitamente perfeito. No entanto, vez ou outra, via com meus próprios olhos a sua disposição para tal.

Como nesta circunstância, agora. Surpreendentemente, Yoongi hyung me chamou para tomar uma. Obviamente, dado o seu vício em trabalho e a sua pouca energia social, não estava contando com aquele convite. E, por pouco, não o aceitei.

Estava combinado de a minha chefe me pagar para fazer horas extras naquela noite de sexta-feira. Todavia, em cima da hora, o funcionário cujo turno eu cobriria terminou por comparecer. Sendo assim, lá estava eu, rumando ao apartamento do hyung. Pouco arrumado, vista a casualidade aparente do encontro.

Definitivamente, eu não esperava me reencontrar com aqueles cabelos loiros. Muito menos naquelas circunstâncias.

Quer dizer, quais eram as chances?

Há pouco mais de um mês antes, minha irmã gêmea havia dado uma festa de aniversário lá em casa. A questão era que, de gêmeos, não tínhamos nada além da igual data de nascimento. Nem mesmo nossa aparência era semelhante; quem dirá a personalidade!

Para falar a verdade, era como se o dia pertencesse apenas a ela. Eu não tinha relação alguma com absolutamente nada sobre aquela festa, em que eu nem sequer queria comparecer. Estive nela porque não era, realmente, nosso aniversário — que seria no dia seguinte, e eu poderia passá-lo como bem entendesse — e pelo fato de nossos pais só terem permitido o uso do apartamento como sede das comemorações de Heejin caso eu estivesse presente. Como se eu houvesse tido escolha.

Embora ela fosse a filha favorita, aparentemente eu tinha serventia para ocupar uma espécie de cargo de guarda-costas da princesa, se ela entrasse em apuros.

Mas estava tudo bem. Não era para tanto. Eu já estava habituado.

Em meio a alguma música estrondosa que não agradava a minha audição, ele surgiu. Sentou-se ao meu lado no degrau solitário da escadaria do terraço e, como se já fôssemos conhecidos, puxou conversa.

Ninguém sequer olhou para mim durante toda a noite. E eu preferia assim. Não pretendia ser o centro das atenções, muito menos daquelas pessoas cuja vibe pouco — ou nada — sintonizava com a minha. Apenas desejava que a hora passasse o quanto antes.

Isso é, até a chegada do dono daquela cabeleira loira que perdi de vista sem sequer saber como se chamava.

Nós bebemos whisky enquanto discutíamos sobre o quão ruim era aquela batida eletrônica que, ao fundo, soava quase mais alta que nossas vozes. De repente, o assunto viajou para as nossas insatisfações para com o governo, em especial quanto à obrigação do alistamento militar para a população masculina — que incorporava Namjoon, de quem ele também era fã; tal descoberta me deixou ainda mais solto para o diálogo interessante que dividíamos — e, na sequência, terminou se centralizando em coelhos, com os quais eu me parecia absurdamente, em suas palavras. Aquela não foi a primeira (e nem a última) vez em que fui comparado com o animal dentuço. Logo, não é com base na comparação que eu concluo isto que estou prestes a pontuar, mas porque era perceptível, mesmo: ele estava bêbado. E a proximidade que ele instaurou entre nós deveria se justificar, exclusivamente, pela realidade de ele estar mais para lá do que para cá. Quem em sã consciência perderia tempo comigo numa festa como aquela, afinal?

De qualquer sorte, eu não dei muita importância. Querendo ou não, aquele loirinho tagarela acabou por salvar a minha noite de um tédio imensurável. Eu não me recordava da última vez em que falei tanto com alguém com quem não tinha intimidade e realmente fui ouvido. Na realidade, tampouco esperava abrir a minha boca numa ocasião como aquela.

we can't be friends • jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora